Inquérito Social VIII
Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.
Capítulo IV
Em
três sentidos é tomada, neste inquérito, a palavra estabilidade: a)
estabilidade nos grémios ou centros industriais; b) estabilidade na mesma
terra, mas instabilidade de oficina; c) estabilidade dentro da mesma profissão.
A)
A estabilidade nos grémios e centros industriais dispensamo-nos de tratar
desenvolvidamente neste lugar, porque já lhe fizemos referência ao tratar da
migração. Em regra, só o grémio da Covilhã e o de Gouveia fornecem operários
especializados aos outros grémios. O grande contingente de migração é formado
por operários desta categoria. A estatística publicada no capítulo consagrado à
população dá uma ideia clara da sua importância.
Dentro
do mesmo grémio é vulgar que a terra onde a indústria se enraizou com mais
força, forneça a mão-de-obra àquela onde a indústria é menos florescente, que
em épocas de crise, por falta de trabalho, se vai acolher ao centro industrial
mais importante. As deslocações de família, provenientes de deslocação do
chefe, os chamamentos em massa que se fazem de uma região para outra, com o fim
de dar pessoal especializado a uma fábrica que inicia agora a sua laboração,
completam de certa maneira e resumidamente tudo o que havia a dizer neste
parágrafo.
B) A
estabilidade na mesma terra, mas a instabilidade de oficina é fenómeno próprio
dos grandes centros industriais onde predomina uma dada actividade industrial.
A mudança de fábrica é frequente pela facilidade com que a nova colocação é
feita, sobretudo se o operário é conhecido pela sua competência técnica. É
vulgar que um patrão procure, neste caso, desviar com promessas, da fábrica do
vizinho, os oficiais mais competentes, não só para valorizar a sua indústria
mas para concorrer com ela.
Enquanto
a estabilidade dentro de cada grémio é grande; dentro de cada fábrica, nestes
centros industriais, é mínima. Acrescem às razões apontadas para justificar a
instabilidade, referida nesta alínea, as desinteligências com o patrão e com os
mestres; neste caso o operário não precisa de recorrer à submissão pela
facilidade em conseguir um novo emprego. O patrão, quando o operário não é
daqueles superespecializados, não tem também interesse em o reter. A facilidade
de colocação provém, portanto, desta instabilidade, desta corrente estabelecida
de fábrica para fábrica, de operários que entram e de operários que saiem.
Nos
pequenos centros e nas fábricas isoladas, estes casos não acontecem, porque já
não existe a possibilidade desta corrente de fábrica para fábrica. A
estabilidade é portanto máxima. Os operários costumam manter-se anos e anos na
mesma casa. Arrentela, Santa Clara e Portalegre têm operários velhíssímos na
idade e na profissão. Na Covilhã verifica-se, por vezes, este fenómeno de
estabilidade da oficina, quando juntamente o patrão e o operário se consideram.
Influem
também na mudança de fábrica, a possibilidade de aproximação de membros da
mesma família que trabalham em fábricas diversas e a aproximação da casa de
habitação.
A esta
mudança de fábrica para fábrica não é indiferente o ser considerado operário
indiferenciado, especialmente nos casos de serem ao mesmo tempo agricultores e
serventuários da indústria. Deve atender-se ao trabalho, que eles consideram
suplementar. Um serviço inadiável no campo, embora a diferença de salário seja
grande, pode levá-los a faltar ao trabalho fabril, obrigando-os depois a
procurar trabalho em fábrica diversa.
Todas estas observações a respeito da
estabilidade não podem deixar de ligar-se ao estado de crise ou de abundância
de trabalho, na indústria de lanifícios.
C) Pergunta-se, nesta alínea, se o operário
de lanifícios se mantém mais tempo na profissão escolhida ou se costuma mudar
de profissão? Há que distinguir as profissões que exigem prática especial e as
que o não exigem. Para as primeiras quase se pode estabelecer a regra de que
desde que nascem para o trabalho a profissão pode contar inteiramente com eles;
para os outros, embora não tenham por costume mudar de profissão, há certas
causas gerais que o podem motivar. Entre elas deve contar-se a mudança de terra
proveniente de uma crise industrial, o serviço militar prolongado, deslocamento
total de uma família.
Para a escolha da profissão são índices
essenciais a naturalidade, a hereditariedade, as condições de vida da família,
a necessidade e a consequente possibilidade de emprego. Se o operário é natural
de um meio industrial e na indústria de panos foi criado; se abandonou a
profissão por saída do meio, ao voltar à terra, se as circunstâncias económicas
não melhoraram sensivelmente, procura voltar à profissão inicial; se subiu a
industrial e a vida dos negócios lhe foi adversa, volta de novo a ser operário.
Vamos estudar a estabilidade na profissão grémio por grémio,
através das estatísticas abaixo apresentadas.
Portanto
concluímos que, com mais de 20 anos de trabalho industrial ou só com mais de 60
anos de idade, trabalham:
Grémios
|
Homens
|
Mulheres
|
Covilhã
|
1358
|
239
|
Gouveia
|
541
|
136
|
Sul
|
375
|
334
|
Castanheira de Pera
|
107
|
56
|
Norte
|
28
|
57
|
Total
|
2409
|
822
|
Sem
distinção de sexo, é curioso atender à distribuição dos operários com mais de
20 anos de trabalho efectivo:
Estatística dos
operários com mais de 20 anos de trabalho
|
|||||
Grémios
|
|||||
Anos de trabalho
|
Covilhã
|
Gouveia
|
Sul
|
Castanheira de Pera
|
Norte
|
20-25
|
449
|
212
|
169
|
53
|
34
|
26-30
|
307
|
135
|
148
|
37
|
12
|
31-35
|
218
|
85
|
104
|
20
|
17
|
36-40
|
216
|
86
|
80
|
13
|
10
|
41-45
|
149
|
68
|
61
|
11
|
5
|
46-50
|
107
|
62
|
50
|
16
|
5
|
51-55
|
64
|
28
|
24
|
5
|
1
|
56-60
|
30
|
12
|
6
|
2
|
3
|
61-65
|
12
|
5
|
4
|
1
|
1
|
66-70
|
1
|
3
|
2
|
0
|
0
|
Operários com mais de 60 anos de idade e menos de 20
anos de serviço
|
||||
Grémios
|
||||
Covilhã
|
Gouveia
|
Sul
|
Castanheira de Pera
|
Norte
|
9
|
9
|
17
|
2
|
3
|
Não se esqueça que os operários com mais de 60 anos de serviço
na indústria e até com mais de 70 anos, não são de estranhar, se nos lembrarmos
que costumavam começar a encher canelas aos 6 e 7 anos.
Estes operários são apresentados numa estatística em que se compara
a idade com o tempo de trabalho.
Esta
estatística foi elaborada, entre outros fins, com a mira no estabelecimento de
uma reforma do pessoal, para deste modo responder a uma crise de desemprego
inevitável com a organização da indústria.
Revelou
a estatística que podíamos estabelecer a reforma segundo quatro critérios:
a)
reformar todos aqueles que atingissem uma certa idade.
b)
reformar todos aqueles que atingissem um certo número de anos de trabalho.
c)
reformar todos aqueles que tivessem uma certa idade e, ao mesmo tempo, um certo
número indispensável de anos de trabalho.
d)
reformar aqueles que tivessem um certo período de trabalho com uma idade
determinada.
Outro
critério poderia ser adoptado se tivesse possibilidade de ser posto em prática.
Seria ele o de reformar todo e qualquer operário com o mínimo de anos de
serviço e um mínimo de idade, desde que, por indicação médica isso fosse
prescrito.
Qual
dos métodos é o mais justo e maiores possibilidades tem de ser o escolhido não
nos compete dizê-lo. Só nos resta afirmar que à estatística presente presidiu o
seguinte critério: não se pretendia reformar operários com menos de 20 anos de
serviço efectivo, a não ser que tivessem mais de 60 anos de idade. Houve, por
isso, que afastar da estatística apresentada, todos aqueles
operários que não tivessem, pelo menos, 20 anos de trabalho na indústria de
lanifícios ou então, não tendo 20 anos de trabalho, tivessem mais de 60 anos de
idade.
Temos,
portanto, os dados referentes a todos aqueles operários que têm mais de 60 anos
de idade, qualquer que seja o tempo de trabalho na indústria, porque os vem impedir uma razão de idade, e todos aqueles que têm mais de 20
anos de trabalho e para quem a reforma significaria uma recompensa dos serviços
prestados. Qualquer que seja o critério a adoptar, a estatística presente
oferece-nos os dados necessários à resolução do problema.
Calculemos
que se pretendiam reformar os operários com mais de 60 anos:
Grémios
|
Homens
|
Mulheres
|
Covilhã
|
170
|
21
|
Gouveia
|
71
|
31
|
Sul
|
135
|
48
|
Castanheira de Pera
|
29
|
6
|
Norte
|
11
|
7
|
Total …... 529
|
416
|
113
|
Poder-se-iam
reformar 529 operários. Fechada a entrada na indústria a operários com mais de
20 anos de idade, nos cinco anos posteriores aumentariam o número dos
reformados em 359. Procurava-se depois a percentagem dos falecidos nestes cinco
anos e teríamos estabelecida uma base de cálculo para os fundos necessários à
Caixa de Reforma, para durante esse período, fazer face aos seus encargos.
Tudo
isto está exposto de uma maneira simples. À ciência actuarial compete, com os
seus cálculos, dar verdade matemática à relatividade dos números apresentados.
A base estatística fica, no entanto, organizada.
Ainda
sobre a constância do operário na profissão, apresentamos um quadro que diz respeito aos operários com menos de 20 anos de
trabalho e com menos de 60 anos de idade. Refere-nos ele qual o número de
operários que entraram na indústria com idade superior a 20 anos, ou seja
aqueles que têm mais de 40 anos de idade e menos de 20 anos de trabalho. Temos
a dizer que o cálculo é feito um pouco na incerteza, porque nestes operários há
certamente alguns, que são poucos, notando-se isso sobretudo entre as mulheres,
que começaram a trabalhar antes dos 20 anos, mas que o seu trabalho na
indústria é um trabalho interpolado.
Esta
estatística dá-nos também uma ideia dos falidos das outras profissões que se
acoitaram na indústria de lanifícios, para aí ganharem a sua vida, sem terem,
no entanto, nela outras raízes mais que a necessidade do momento.
Grémios
|
Homens
|
Mulheres
|
Covilhã
|
150
|
75
|
Gouveia
|
37
|
75
|
Sul
|
372
|
134
|
Castanheira de Pera
|
42
|
15
|
Norte
|
65
|
22
|
Total
987
|
666
|
321
|
Para
determinar a estabilidade da profissão adoptei o critério de estabelecer a
percentagem somente depois dos 40 anos, porque é esta a idade em que o operário
se pode considerar mais assente na vida, e a idade em que já se não verificam
mudanças de profissão.
Portanto,
nesta altura, é que é verificar qual a percentagem dos que fizeram a sua vida
na indústria e dos que entraram nela depois de terem vagueado por outras
profissões.
Nos
grémios do Sul e do Norte é maior a inconstância na profissão devido à falta de
tradição na indústria dos panos, à pouca aglomeração da indústria, à facilidade
de em épocas de crise e desemprego, procurarem derivativos em outras
profissões, próprias das grandes cidades.
Esta
estabilidade na profissão que se verifica através do exposto, dentro da
indústria de lanifícios, contradiz um dos princípios que está na base do marxismo,
aquele de que o operário, cansado da profissão há-de procurar noutras o lenitivo,
contribuindo a técnica para facilitar grandemente esta tendência do homem
moderno fugir à escravidão do trabalho, distraindo-se com a variedade do mesmo.
Como vimos, só excepcionalmente e por razões alheias à sua vontade, o operário
procura mudar de profissão.
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