Os Forais
A investigação de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre os Forais prende-se com a da população e com outros
assuntos, como nos temos vindo a aperceber. Publicou na década de sessenta do
século XX: “Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve” (conforme o
exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa), mas muito ficou por
publicar, tanto mais que não chegou a fazer uma introdução a esta sua obra.
Vamos, por isso, apresentar uma compilação de reflexões sobre este assunto
deixadas por ele, que intitulámos: “Para uma introdução aos Forais Manuelinos”.
É difícil escolher o caminho a seguir para a publicação dos seus trabalhos, porque
são escritos de há várias dezenas de anos e muitas vezes só com tópicos e nunca
revistos. Optámos, mesmo assim, por publicá-los, até porque complementam a
sua obra e ao mesmo tempo poderão dar pistas a quem leia estes estudos.
Para uma Introdução aos “Forais Manuelinos”
“Os Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve”,
são a reprodução dos cinco livros da Leitura Nova, existentes no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. Neles se guarda a reforma e a actualização dos
mesmos forais, levadas a efeito pelo Rei D. Manuel, o Venturoso, no primeiro
quartel do século XVI.
Os Forais, ou Fueros, ou Cartas
Pueblas como lhes chamam os espanhóis, além de repositórios do direito local,
foram sobretudo censuais, onde se registaram os Direitos do Rei nos concelhos
medievais e sobre os outros recantos da terra portuguesa.
Foral seria etimologicamente o lugar onde se agrupam
ou guardam os foros, de acordo com qualquer pesquisa a efectuar em tais cartas.
Deparamos nestes monumentos jurídicos com costumes vários, magistraturas,
contratos agrários e, sobretudo, um conjunto de medidas financeiras que
constituem um elemento comum a todos eles. Nem sempre é fácil distinguir a
renda do tributo, como também em termos de direito é difícil fixar o limite do
público e do privado, da jurisdição e da propriedade em variadas categorias e
fragmentos.
As influências feudais apagaram
os traços fronteiriços entre o Estado e o Senhorio e, consequentemente,
confundiram-se as balizas entre tributos e rendas. Que admira que o foro nos
apareça vestindo os mais diversos figurinos e aparentando as mais díspares
situações e que o foral, carta de foro, nos ofereça, ora como simples contratos
enfitêuticos ou aforamentos colectivos cíveis, ou aforamentos colectivos de
carácter público, ora como cartas instituidoras de concelhos.
Mas em todos eles há um elemento
comum – a povoação.
Os forais antigos foram
publicados por Alexandre Herculano, o patriarca da Historiografia de Portugal,
nos “Portugaliae Monumenta Historica”, no século XIX, mas só os outorgados até
ao fim do reinado de D. Afonso III.
Pressionado por vários agravos em
Cortes, o Rei D. Manuel, no princípio do século XVI, actualizou esses
foros e censos e encarregou dessa missão o jurista Fernão de Pina que a
executou de 1497 a
1520. Este, depois de fixados os princípios da reforma por uma junta de 22
magistrados e técnicos da Fazenda Real, percorreu o país e ouvidos os
interessados, acordou a actualização desses direitos e das consequentes
prestações. No entanto não se pode apelidar de um “acordo” dada a desigualdade
das partes, de um lado o Soberano e do outro, os seus súbditos.
Para compreender bem o que sejam
estes forais é preciso ter em atenção o que foram os forais velhos e a evolução
que sofreu o direito local dos séculos XI, XII e XIII até ao princípio do
século XVI. Como o direito local foi cedendo o passo ao direito geral, muita
matéria dos forais antigos foi, pouco a pouco, começando a fazer parte da legislação
geral do país e, chegados ao século XVI os forais acabaram por ser o que tinham
começado por ser: as cartas de que constam os direitos reais.
Esta reforma pode
considerar-se o resultado do primeiro inquérito geral levado a efeito no país,
pois o cobre de norte a sul. Trata-se assim de uma fonte preciosa do Direito
Financeiro e da História Económica Portuguesa, agora pela primeira vez
facultada aos estudiosos numa edição de tiragem reduzida, sobretudo
destinada a bibliotecas.
O volume consagrado à Província da Beira, ou seja, parte do
território entre Douro e Tejo, contém 192 forais; o volume de Trás-os-Montes 64
forais; o volume da Estremadura 145 forais; o volume de Entre Tejo e Odiana, ou
seja do Alentejo e do Algarve 113 forais e o volume de Entre Douro e Minho 56
forais.
Os forais podem ser olhados
em três períodos diferentes: O período aúreo do Regime foraleiro; o
tempo da reforma manuelina propriamente dita, ou seja, quando os forais se
reduziram à sua expressão financeira e fiscal; e o último período, ou seja, a
deterioração do princípio foraleiro como sistema fiscal e a consequente
polémica histórico-jurídica que levou com eles à morte do regime senhorial.
É curioso notar que principiando o
regime foraleiro por ser um caminho de libertação e fulcro de desenvolvimento
das liberdades públicas se reduzisse a uma família fiscal e acabasse por se
confundir com o próprio regime senhorial e apedrejado e detestado por aqueles que
se apregoavam a si próprios defensores e restauradores dessas liberdades.
Assuntos a explorar relacionados com a reforma dos
Forais: João Pedro Ribeiro (1)
e a equipa de organização e reforma dos Forais. A equipa política –
os liberais; a equipa jurídica João Pedro Ribeiro e Lobão, etc.; a equipa
técnico-arquivista Franklim e João Pedro Ribeiro que faz parte das três.
O esquema histórico da reforma manuelina está feito.
Deve-se a J. P. Ribeiro na “Dissertação sobre os Forais” e nos dois aditamentos
a essa memória, esgotando o assunto. Publicou não só os documentos referentes à
Reforma, como pequenas biografias dos intervenientes nela. Contudo convém
anotar: confundiu o Fernão de Pina, (2) escrivão dos forais com o Fernão de
Pina, guarda-mor do Arquivo da Torre do Tombo, sobrinho do primeiro e, decerto,
só responsável pela versão dos forais da Leitura Nova. Contudo J. P. Ribeiro
não concluiu o seu trabalho sobre os Forais anunciado no princípio da sua
memória. Deixou em branco a parte segunda, os defeitos históricos, jurídicos e
económicos dos forais manuelinos e compreende-se: era intransponível a
dificuldade de elaborar esse trabalho antes da publicação dos forais
reformados, muito embora o ilustre professor de Paleografia tivesse avançado
decididamente no seu objectivo. Além dos apontamentos que reuniu e normalmente
lhe são atribuídos, (outros atribuem-nos a José Seabra da Silva, quando
guarda-mor da Torre do Tombo) e confiados para publicação a Almeida e Sousa
(Lobão), o Dr. João Pedro Ribeiro colaborou de forma activa e pertinente na
grande campanha dos forais, que atraiu a atenção de juristas e políticos e
mereceu a Herculano respeitosas referências, embora este se situasse em
meridiano oposto.
Convém proceder à análise dos forais e saber qual a origem
dos direitos reais que eles resumem. Uma análise superficial leva-nos a
concluir que além dos forais velhos que foram reunidos, ad-hoc, num Livro da
Leitura Nova, guardado na Torre do Tombo, serviram de fonte as inquirições
levadas a cabo por Fernão de Pina, os livros Próprios dos Almoxarifados, os Tombos
das Comarcas, etc. Não será uma inquirição o “Rol da Gente e das Rendas daBeira”? (3) Ou será apenas um fragmento do numeramento de D. João II, terminado
já no tempo de D. Manuel.
Quem, por exemplo, se debruce sobre as Ordenações
Manuelinas sabe como se aprimorou o cuidado do legislador e como estavam
acautelados os direitos e deveres da Coroa e dos cidadãos. Depois os regimentos
e as ordenações da fazenda espelham bem a grande reforma administrativa pública
e como era perfeita a fieira longa porque passavam as rendas e as despesas
públicas, para admitir desvios ou extravios nas suas fontes. As portas do
Palácio estavam abertas e ninguém se eximia de levar ao trono os seus
queixumes.
Os processos dos Forais foram fonte comum dos Forais Manuelinos - completos - nos seus três exemplares e da cópia que constitui os Livros da Leitura Nova. A fonte dos processos é diferente – os forais velhos, as inquirições, etc. O exemplar da Torre do Tombo era considerado o exemplar autêntico.
Os processos dos Forais foram fonte comum dos Forais Manuelinos - completos - nos seus três exemplares e da cópia que constitui os Livros da Leitura Nova. A fonte dos processos é diferente – os forais velhos, as inquirições, etc. O exemplar da Torre do Tombo era considerado o exemplar autêntico.
Vários autores sonham com a falsificação de textos,
verbas que no exemplar das Câmaras aparecem diferentes do exemplar da Torre
do Tombo ou da Leitura Nova. Conclui-se pela falsificação, creio que
temerariamente e acusa-se Fernão de Pina dessa falsificação pelas faltas
encontradas nos seus Mosteiros de Vimieiro e Tibães. Creio que Damião de Góis
foi o primeiro a acusar Pina. No entanto Pina teve a confiança do Rei na sua
vida e, naqueles tempos em que o Direito Penal primava por um rigorosismo
bárbaro, Pina de nada de indigno foi acusado. O Pina da Inquisição não é o Pina
dos Forais. Damião de Góis colaborou na grande reforma dos Forais, não como
Pina, mas só na fase arquivística, visto ser Góis quem assina os treslados da
Leitura Nova dos Forais Antigos. Ao transcrever esses Forais Antigos, Góis pode
ter dado com erros – e, maculada a fonte – errado estava o trabalho do Pina!
Modernamente um economista de boa preparação - Preto Pacheco - estudou a
actualização das moedas dos forais antigos e a sua equivalência nos forais
novos e acusou Pina de ter prejudicado o Tesouro, ou melhor se diria, os
donatários. Se prejudicasse o Povo é que estaria mal! Admitindo que a
actualização estava errada, haveria que saber se existiria erro voluntário ou
involuntário ou, se não haveria erro nenhum e essas seriam as instruções do
Rei. Reparemos que os povos se queixavam de extorsões. Se era verdade, haveria
que compensá-los e o Rei, com essas compensações não desfalcava o Tesouro, mas
os donatários. A Coroa poderia ter resolvido assim, até porque as doações
régias e a sua doutrina eram coisas que variavam com os monarcas e com os sistemas
de governo. D. João II passara, mas, embora o seu centralismo político tivesse
passado, deixara muitas raízes. Não se queixava D. João II das mãos rotas de
seu pai, que lhe deixara como herança só os caminhos e as estradas de Portugal?
Fernão de Pina foi somente o escrivão dos Forais:
cumpria, portanto, ordens, executava sentenças, impunha as leis e as sentenças,
e as actualizações das moedas não cabiam a Fernão de Pina.
Há, pois, primeiro que tudo, de saber na grande reforma dos
forais, o que coube ao Rei, aos magistrados e a Pina, para depois julgar se
houve elementos para tal acusação.
Com esse
objectivo, além de outros fins, serve a edição que fazemos dos Forais
Manuelinos.
Nome e plano da obra de 5 volumes, de Luiz Fernando Carvalho Dias |
Publicamos uma norma assinada por Pina com o método
que seguiu para actualizar as moedas, mas daí não se segue que seja Pina o
responsável dessa norma; tudo leva a concluir que lhe foi fornecida como outras
normas precisas da reforma – as constantes dos Pareceres de Saragoça. Dessas
sabemos nós a sua origem e os seus autores. Os Pareceres, que nós publicámos na
obra “Forais Manuelinos”, estão assinados, ao passo que os constantes das
Ordenações Manuelinas, como, aliás é lógico, não se sabe quem lá os integrou e
qual a sua fonte.
A ordem porque os Forais sairam foi a seguinte: Lisboa
(1500); Évora (1501); Montemor-o-Novo (1503); Couto do Mosteiro das Serzedas
(05-01-1504): Silves e forais do Algarve, embora estes, além de Silves, não
estejam datados (Agosto de 1504); Santarém (1506); Castelo Rodrigo (1508).
João Pedro Ribeiro refere-se também ao foral da Feira,
porque encontrou a sentença dele, com data anterior, mas o foral da Feira só
foi outorgado mais tarde (1516). Tal facto significa que as inquirições, exames
e todo o trabalho preparatório, ou seja, a organização dos processos teriam
sido muito anteriores à outorga. Mas poderia haver sentença sem foral. Note-se
que a sentença era o culminar do processo do foral.
Uma obra de tal envergadura traz sempre dúvidas e
questões:
Fernão
de Pina que subscreve os Forais na Leitura Nova não deve ser decerto o que foi
escrivão deles, mas talvez seu sobrinho. (2) O 1º Fernão de Pina está sepultado
no Convento de Montemor-o-Velho. O 2º Fernão de Pina, filho de Rui de Pina, cronista
muito mais tarde, foi o do processo da Inquisição e parece que o pai de Jorge
de Montemor (?), autor de “Diana”.
O Livro dos Forais da Estremadura é
um dos volumes dos Forais Novos de D. Manuel da Colecção Leitura Nova, embora,
como é lógico, assim se não devessem classificar visto que a leitura destes
forais é da mesma época da sua redacção. Não sofrem estes cinco livros,
por isso, dos defeitos e erros que se costumam atribuir aos livros da mesma
colecção, cujos documentos, por provirem de épocas mais recuadas, nem sempre
foram tresladados pelos encarregados da sua leitura com fidelidade e rigor,
designadamente no que se refere à data de muitas das espécies aí reunidas.
Há autores que, como J. M. Silva
Marques no prefácio do Foral da Esgueira, se referem à hipótese de vários
forais novos não estarem registados, mas não aduzem a favor desta opinião
qualquer justificação. Não temos uma explicação única e sistemática para a
circunstância da reforma manuelina não abranger vários concelhos. Mas não
andaremos longe da verdade se anotarmos que tal facto deriva das relações da Coroa
com o respectivo Senhorio; mas como se desconhecem os termos das doações régias
dos referidos territórios estamos inibidos de entrar nesta matéria. Quem se der
ao trabalho de confrontar os forais registados nestes livros com os concelhos
mencionados pelo cadastro populacional, acabará por concluir que Fernão de Pina
ao realizar o Inquérito aos Direitos Reais cobriu o país inteiro, sendo
esporádicas as falhas da sua actuação, se é que existiram.
A circunstância de aparecer o mesmo foral com duas ou
mais versões, com duas ou mais datas – sirva de exemplo o caso de Abrantes
– em lugar de significar falsificação, como alguns lhe atribuiram,
impressionados ainda pela pouca fidelidade de certa historiografia monástica –
não chega para atribuir os mesmos propósitos aos escrivães dos forais, que
antes e depois da sua outorga neles intervieram, nem a situação de uns e outros
é comparável. Os forais estavam sempre sujeitos às reclamações dos interessados
e às sentenças dos juízes que, sobre eles, julgaram.
Os textos, por outro lado, eram susceptíveis de correcção à medida que as reclamações surgiam e as sentenças os reformavam. Pensar de outra forma é menosprezar a confiança que os seus funcionários sempre mereceram à Coroa e o cuidado não só dos escrivães como, sobretudo, dos juízes que neles intervieram, dos agentes que anualmente cobravam os direitos reais e dos próprios interessados que os pagavam.
Os textos, por outro lado, eram susceptíveis de correcção à medida que as reclamações surgiam e as sentenças os reformavam. Pensar de outra forma é menosprezar a confiança que os seus funcionários sempre mereceram à Coroa e o cuidado não só dos escrivães como, sobretudo, dos juízes que neles intervieram, dos agentes que anualmente cobravam os direitos reais e dos próprios interessados que os pagavam.
Até o grande prejuízo da fazenda
pública que Preto Pacheco descobriu e revelou, significaria, talvez, o resultado da
generosidade do Venturoso deslumbrado pela euforia dos descobrimentos e a
consideração do pouco interesse das rendas foraleiras diante do comércio do
ouro da Mina e das especiarias.
Quando vários autores se referem
às alterações ou pouca conformidade de certas verbas dos forais há que ter
sempre presente que estas verbas não enriqueciam o património régio, mas o património
dos magnates. À Coroa interessaria antes diminuir o mais possível essas verbas
descarregando assim o dorso dos contribuintes, para que estes estivessem aptos
a receber os novos impostos – as sisas que se tornariam gerais.
O problema da valorização ou
desvalorização da moeda feito pela comissão dos forais e aplicado por
Fernão de Pina, não assume a gravidade que lhe pretendeu atribuir Preto Pacheco
e que teria decerto, se os direitos reais ou rendas dos forais ainda fossem a
fonte principal das finanças públicas.
Do mesmo modo as falsificações
– que não creio assim se possam classificar, pois a existirem não passariam de
erros numa obra tão vasta e, por isso explicáveis – não teriam a importância
que se lhes deu, porque já não afectariam o património público mas o património
da nobreza, detentora ou usufruidora de tais rendas. A nobreza tinha a porta
dos tribunais aberta para discutir os forais e não deixou de o fazer, haja em
lembrança os pleitos a que os forais deram lugar no saber azedo e, decerto,
interessado de Damião de Góis. Se Pina não foi chamado à ordem, Pina que esteve
sempre no favor de D. Manuel, foi decerto porque foi instrumento fiel de uma
política económica e financeira cujas fronteiras ainda, até hoje, não foram
totalmente definidas e esclarecidas. Lembremo-nos que D. Manuel foi um grande e
esclarecido legislador e um administrador consciente, como o demonstram o
pormenor que assume a correspondência e, sobretudo, os Regimentos do seu
reinado.
Ainda a propósito das rendas e do património da nobreza,
o cadastro de 1529 dá-nos uma imagem de quem usufruia essas rendas. É verdade
que se refere ao reinado de D. João III – aos primeiros anos deste reinado,
pois começou em 1521 – e devemos ter em atenção que D. Manuel, ao contrário do
seu tio-avô D. Afonso V, foi sempre considerado um rei ingrato, que pagava mal
os serviços dos seus criados. As rendas públicas na posse da nobreza vinham já
desde os reinados anteriores, pois D. João II não teve tempo de efectivar
qualquer reforma e a sua acção ficou somente pela rama e pelos princípios, pois
fora os casos de conspiração em que houve sequestro de bens, não consta que
descesse à discussão efectiva dos direitos senhoriais. Ficou-se somente na
primeira fase de obrigar a nobreza a reconhecer o poder soberano do Rei.
Recorde-se (4) que o pai de Pedro Álvares Cabral se recusou a prestar menagem a
D. João II pelo Castelo de Belmonte. Também sabemos que D. Manuel voltou a
entregar aos parentes os bens sequestrados.
Devemos ter em atenção que a
reforma dos forais equivale a uma devassa às rendas da Coroa e muitas delas na
posse da nobreza e daí o alto interesse da sua publicação que equivalem às
Inquirições dos reinados da 1ª dinastia e das de D. João I e, foi depois desse
período a grande e única devassa aos bens da Coroa na mão de particulares, pois
o cadastro de 1529 limita-se a uma referência simples e nunca discriminada
desses bens por concelhos.
Parece não haver razão para classificar os forais
como Menezes, isto é, forais de portagem, forais de reguengos e forais de jugada.
Isto porque nos forais de portagem, como Guarda e Covilhã, etc., também haver
reguengos. De facto o foral de Santarém é jugadeiro.
Parece
antes mais lógico classificar os forais manuelinos conforme a sua fonte, isto é:
A –
Forais de concelho com foral antigo, cujo foral antigo serviu de fonte ao foral
novo; e este grupo subdividido em Forais do tipo de Salamanca, Ávila e
Santarém; e por sua vez ainda subdividido em Forais outorgados pelo Rei ou pelo
Senhorio; e estes de senhorio ainda em senhorio laico e senhorio eclesiástico.
B –
Forais cujo foral novo tem como fonte uma situação jurídica anterior ao foral
novo, v.g. inquirições, exames e contratos.
C-
Forais cujo foral novo tem como fonte acordos coetâneos com o próprio foral manuelino.
Convém notar ainda que os Forais Manuelinos da Leitura
Nova nem sempre aparecem transcritos na íntegra: vulgarmente há
muitas verbas somente sumariadas das quais se remete para uma verba completa doutro
foral do mesmo livro e, até às vezes, para verbas de um foral que não existe,
nem no livro nem na colecção, nem em parte alguma conhecida, porque não chegou
a ser publicado. Acontece isso, por exemplo, com as remissões para o Foral de
Braga. (5) No foral da Mesa de Ansemil de Rodes na Estremadura, há uma
referência ao foral de Ansemil, como em Entre Douro e Minho há referências ao
Foral de Braga; tudo forais que não conhecemos por não virem registados nos
Livros dos Forais Novos. Outros casos existem de forais mencionados cujo
registo não foi feito.
Seriam tais factos que justificariam
as referências desses autores a que nem todos os forais foram registados?
Presumimos que isso advém destes livros da Leitura Nova não
reproduzirem qualquer dos três exemplares dos forais manuelinos a que fazem
referência, ou seja os originais dos concelhos ou das câmaras do país, os
exemplares iluminados tão nossos conhecidos e vulgarmente reproduzidos em
estudos e monografias locais.
Tanto os Forais da Leitura Nova como os Originais Iluminados
teriam uma fonte comum, mas só copiados ou organizados em épocas diversas. A
fonte comum poderia talvez ser os processos dos forais; os forais iluminados
seriam, porém, do reinado de D. Manuel, coevos da data da outorga da carta
régia que os aprovou; os forais da Leitura Nova seriam cópias mais tardias, já
do reinado de D. João III, e da época em que seria Guarda-Mor da Torre do Tombo
o 2º Fernão de Pina (2), filho do cronista de D. João II, Rui de Pina, e
sobrinho de 1º Fernão de Pina, o dos Forais.
Apesar dos seus erros, a cópia da
Leitura Nova viu-se assim erigida não só em exemplar único dos forais perdidos
ou destruídos, como em tira-teimas das inumeráveis disparidades surgidas entre
os exemplares existentes.
Bem ou mal, a cópia da Leitura Nova
é o mais vasto repositório da reforma manuelina, embora esteja longe de ser, em
pormenor, a mais fiel lição desses forais. A primazia caberia, sem dúvida, aos
exemplares ainda existentes dos concelhos e senhorios e, depois, às cópias mais
próximas e completas da reforma, como a da Ordem de Santiago, existente no
Fundo Geral da Biblioteca Nacional de Lisboa, códice 5949, datada de 1543.
A cópia da Leitura Nova, porque
muitas vezes sumariada, pois remete, frequentemente, num e noutro foral, para
verbas idênticas de um foral similar, próximo ou longínquo, sugere mais um
decalque directo dos processos, após as sentenças que estiveram na origem e
base da reforma manuelina, do que uma transcrição abreviada de forais há muito
dispersos pelos respectivos concelhos e senhorios. Por outro lado, convém
atender que na cópia da Leitura Nova refere-se o número de folhas dos
exemplares dos concelhos e senhorios. Isto pressuporia uma fonte comum que
poderia ser um rascunho perdido dos forais dos concelhos e senhorios que
estaria na base destes e da Leitura Nova ou a existência de um terceiro
exemplar iluminado, exactamente destinado à Torre do Tombo, como referem os
forais dos concelhos, e que juntamente com os processos servisse de fonte aos
Cinco Livros agora impressos. Nesta última hipótese, os exemplares dos
Forais Iluminados da Torre do Tombo teriam ficado todos destruídos ou pelo tempo,
ou pelos terramotos e deles se salvaria só a cópia do 2º Fernão de Pina, já do
reinado de D. João III, e a ele se referiria a crítica acerba do seu colega e
substituto Damião de Góis.
Esta solução ajudaria a explicar certa disparidade notada
por alguns autores entre os dois textos e atribuída, creio que levianamente, a
fraudes do 1º Fernão de Pina; escrevo levianamente mais uma vez, porque a
autoria de tais fraudes não se coadunaria com o favor régio de que ele sempre
gozou e com o atento espírito burocrático da chancelaria e do governo do
Venturoso.
A disparidade de textos que não é tão geral como, por vezes
se apregoou, pode explicar-se com as demandas e sentenças que se seguiram à
publicação dos forais e a que a má vontade de Damião de Góis para com os Pinas,
avolumou, decerto, por serem oficiais do mesmo ofício.
Repare-se que é Góis quem subscreve o livro dos Forais
Antigos da Leitura Nova, isto é, a cópia dos forais antigos recolhidos para a reforma
de D. Manuel e, é o 2º Fernão de Pina quem subscreve os forais manuelinos dos
cinco livros da Leitura Nova. Góis,
na Crónica de D. Manuel, referindo-se à obra legislativa do Venturoso, não
deixa de esclarecer.
Teria sido, por ventura, interessante e útil fazer uma
edição crítica dos Forais Manuelinos baseada nos originais existentes nas
câmaras, na posse dos senhorios e até na Torre do Tombo. Fizemos um inquérito
que não deu resultado. A verdade é que a maioria desses exemplares se perdeu e os
forais da Leitura Nova que serviram de base à presente edição tornaram-se
legalmente, a partir de certa data, não muito longe da sua elaboração, no único
exemplar autêntico dos forais manuelinos. Porventura teria sido a
necessidade de existir um documento autêntico para servir de base às cópias
pedidas pelos concelhos que levasse à organização da referida colecção. Note-se
que dos exemplares das Câmaras e da cópia da Leitura Nova consta que de cada
foral existiriam três exemplares, mas o da Torre do Tombo seria o autêntico.
Mas qual da Torre do Tombo? Seria o terceiro igual ao das câmaras ou o da
Leitura Nova? Como não se pôde precisar, parece que acabou por ser fonte
autêntica, o da Leitura Nova.
Por
outro lado a do exemplar dos Livros da Leitura Nova, como exemplar autêntico,
levanta dois problemas: a) a possibilidade de extravio de muitos dos exemplares
distribuídos aos senhorios, aos concelhos e ao arquivo nacional; ou b) a quase
certeza de que muitos exemplares não teriam sido expedidos, ao menos nas suas
três vias.
A verdade, porém, é que do Inquérito que elaborámos às
câmaras municipais para descobrir o paradeiro dos exemplares iluminados, pouco
resultou: foram diminutas as câmaras que lhe responderam, tal o desprezo
que a documentação histórica merece às presidências e vereações e o estado
lastimoso a que, na maioria delas, chegaram os arquivos municipais, tão baixo o
nível cultural de todos os serventuários da mais representativa das nossas
instituições locais. (6) Contudo convém lembrar que a maioria dos forais
iluminados de Trás-os-Montes, se guardam em Bragança, no Museu e Arquivo do
Abade de Baçal, decerto por iniciativa do ilustre e incansável investigador
daquela província.
Outros exemplares guardam-se ainda nas câmaras municipais,
nos museus locais e alguns até na Torre do Tombo, outros na posse de
particulares a cujo poder chegaram sabe-se lá por que malas-artes e outros
seguiram o inevitável caminho de tantas preciosidades portuguesas: o dos museus
e bibliotecas dos países ricos, traficadas ao sabor das conveniências e sem
respeito pelo património cultural da nação.
Dos
exemplares dispersos e iluminados não existe um catálogo, nem vemos
possibilidade de o organizar até pela indiferença e inconsciência dos seus
detentores. Alguns, decerto, existirão nos arquivos das câmaras cujos
fundos desconhecidos apodrecem por esse país fora ou são pasto de vermes. (6)
As iluminuras dos forais, que os ornamentam ou antecedem,
nem todas são iguais. Diferem conforme as terras e obedecem, geralmente, a
tipos uniformes conforme a importância delas. Lembramos pela sua originalidade
as iluminuras de Lisboa, do Porto, de Évora e de Coimbra.
Não só no aspecto artístico, mas ainda no seu conteúdo,
os forais manuelinos mereciam mais cuidado e atenção: eles representaram o elo
financeiro das pequenas repúblicas municipais com o Estado, o escrínio dos
direitos reais nessas pequenas circunscrições, as receitas ordinárias com que
contribuíam para o erário comum. Fruto do feudalismo, os foros ou forais,
expressão no direito público da enfiteuse no direito privado, assumiam a
natureza de privilégios que os concelhos prezavam como garantia, desde a sua
constituição.
Com o decorrer do tempo esses privilégios sofreriam
várias actualizações, pressionados pelas alterações ou modificações da moeda,
mas eram uma garantia de que as cargas tributárias não excederiam o
inicialmente acordado entre o Rei e os primeiros povoadores da circunscrição ou
concelho. Fraca garantia foram, contudo, perante o longo e persistente avançar
de outros impostos cuja matéria colectável excedia muito os encargos sobre a
terra, os produtos da terra, etc...
Relação
entre o aforamento colectivo e as cartas de povoação e as cartas de foral:
Cremos que a origem é a mesma do aforamento ou emprazamento do Direito Privado,
mas enquanto este se baseia num simples contrato privado entre o senhorio
directo e o foreiro, o primeiro tem por base, da mesma forma, um contrato não
já entre o senhorio directo, mas o Rei ou donatário do Rei e uma comunidade. O
objecto do contrato de enfiteuse é o uso da terra como unidade de trabalho para
aproveitamento agrícola. Nos aforamentos colectivos o objecto é também a terra
para efeito de colonização. Nos contratos colectivos há um interesse público da
parte do Rei e da parte da comunidade rural há um interesse colectivo.
Seguindo a génese da ordenação dos Forais podemos
resumi-la assim:
a) Inquirição preliminar, constante
da inquirição de testemunhas ou baseada em foral antigo, inquirição escrita ou
outros documentos.
b) Organização do processo e parecer
do escrivão (?) O escrivão aplica os Pareceres de Saragoça à hipótese em
causa, tanto na parte respeitante à fixação dos direitos reais como à redução
das moedas.
c) Sentença dos juizes e aprovação
das bases do foral conforme os Pareceres de Saragoça.
d) Redacção definitiva do texto do
foral, substituindo as chamadas das verbas, como era no processo, pelas verbas
autênticas.
e) Assinatura e aprovação régia.
f) Pagamento das despesas do foral.
g) Entrega ao concelho.
No entanto esta parte particular respeitante
a cada foral foi precedida por uma parte geral que se poderia resumir assim:
1) Antecedentes dos reinados de D.
Afonso V e de D. João II, constituído por capítulos de Cortes, respostas régias
e alvarás respectivos.
2) Execução de medidas a dar
satisfação a tais pedidos.
3) Reinado de D. Manuel
- Alvarás
- Reuniões
- Pareceres de Saragoça
Neste momento podemos concluir assim: Os Forais Novos ou
Forais Manuelinos por ter sido D. Manuel I o reformador dos Forais Antigos,
são os diplomas, emanados do poder central, donde constam as rendas e foros a
receber anualmente pelo Rei, nos concelhos do Reino, pelo exercício do poder
real em que se achava investido.
Tais
rendas e foros englobam tributos de vária natureza e origem, desde os foros dos
reguengos, às pensões das Casas das Judiarias, do antigo tributo da colheita
aos direitos das alcaidarias, das penas e coimas às rendas dos tabeliães, dos
maninhos, montados, açougagens aos direitos de portagem, passagem, etc.
As receitas ordinárias do Tesouro ficavam assim limitadas
nestes diplomas de âmbito estritamente local e assentes num contrato de direito
público entre o Rei e os povoadores dos concelhos.
Das receitas extraordinárias do Tesouro sobressaíam,
sobretudo, os pedidos.
As sisas tiveram primeiramente a natureza de receitas
extraordinárias mas acabaram no século XVI por se transformarem em receitas
ordinárias, sobretudo depois do seu encabeçamento, para acudir às dificuldades
do tesouro no tempo de D. João III, mas nunca apareceram nem fizeram parte dos
forais.
(Continua)
Compilação de reflexões não revistas de Luiz
Fernando Carvalho Dias
2) O
1º Fernão de Pina, Desembargador e escrivão dos Forais, viúvo de Mór
Teixeira, sepultado no Convento de Nossa Senhora dos Anjos, em Montemor-o-Velho,
já tinha falecido em 1523, segundo o Prof. Dr. Veríssimo Serrão em “A Historiografia
Portuguesa”, porque em 1524 foram concedidas tenças à viúva e aos filhos. Caberia, pois, ao 2º Fernão de Pina a cópia da Leitura Nova.
3) Publicámos neste blogue em 24 de Novembro
de 2011.
4) Ver este blogue: 27 de Setembro de 2011.
5) Foral de Braga – Iremos publicar elementos
relativos a um Foral de Braga de 1537 concedido pelo Cardeal D. Henrique, ao
tempo arcebispo de Braga. Não se trata propriamente de um foral, mas sim de uma
lista de situações sobre as quais incidiriam as portagens e os direitos reais
pertencentes à igreja bracarense.
6) Esta dureza de palavras corresponde a uma
época muito recuada no tempo. Hoje tudo mudou.
Fontes – Menezes, Carlos de, “Plano de
Reforma de Forais e Direitos Banais”, Lisboa 1825.
Pacheco, J. Preto, “Estudos Monetários”, in
Lusitana Sacra, tom.7 (1964-66)
As Publicações do Blogue:
Publicações anteriores sobre forais:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/05/covilha-os-forais-e-populacao-nos_25.html
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