sexta-feira, 3 de junho de 2011

Covilhã - Sobre o Processo da Inquisição de Gonçalo Vaz II

Biografia/Dados biográficos de Gonçalo Vaz – cristão-novo, mercador e morador na Covilhã

 Gonçalo Vaz (1) é natural da Covilhã, Bispado da Guarda.
 Nasceu, provavelmente, em 1547.
     Era filho do Licenciado Fernão Vaz (cristão-novo, procurador do concelho da Covilhã) e de Isabel Dias (meia cristã velha). Teve vários irmãos.
 Com 10/12 anos dormia em casa de Filipa Dias, velha, viúva e sozinha que lhe ensinava a crer na lei de Moisés e não nos Evangelhos.
     Sabia ler, escrever, contar e da doutrina cristã; era baptizado, ia à Missa, comungava e confessava-se. Mais tarde, no Processo da Inquisição, diz que na Quaresma anterior a 1579 se confessara no Fundão, embora não tendo dito ao confessor que praticava a lei de Moisés.
 Até aos 12/13 anos esteve em casa dos pais.
 Em 1562, na noite de S. Pedro é acusado com mais dois amigos da morte de um rapaz, chamado Baltazar, por inimizades. Vai ausentar-se da Covilhã até 1566, ano em que é confirmada na Casa da Suplicação a Sentença de Livramento (2). Por esta se verifica que só um dos três foi dado como culpado e condenado. Gonçalo Vaz é absolvido, embora tenha de pagar custas do processo.
     Com um primo vai estudar para Valência de Alcântara 2 ou 3 anos, onde "ouviu" Gramática com o Mestre Amarilha, ficando em casa do primo Diogo Gonçalves, médico.
 Depois encontra-se em Belmonte em casa de um dos irmãos. A seguir fica um ou dois meses escondido em casa dos pais.
 Em 1567 e seguintes “ouviu” três cursos de Leis em Salamanca e em Osuna, na Andaluzia. Em Salamanca tem vários amigos (3) com quem convivia e judaizava (“pratica várias coisas contra a fé”). São eles:
      - Francisco Nunez que estudara Medicina e era de Estremoz (preso em Valladolid com outros estudantes);
      - Marcos Rodrigues, natural de Estremoz e estudante de Medicina
      - F. Fonseca, de Penamacor (Castelo de Vide?) e estudante de Artes;
      - Diogo Rodrigues, da Covilhã e estudante de Artes;
      - Jorge Rodrigues, da Covilhã e estudante em Artes;
      - Gaspar Nunes, de Torre de Moncorvo, estudante de Medicina;
      - Álvaro Pais, de Castelo de Vide, estudante de Artes.
 Entretanto deixou Salamanca com medo de ser denunciado como cristão-novo por algum colega. Pensava embarcar para França e foi a Lisboa.
 Vai para o Colégio de Osuna, onde permanece pouco tempo e vai-se confessar a um padre da Ordem de S. Francisco que lhe aconselhou a reconciliação. Dirige-se a Granada, onde se apresenta na Inquisição.
  O seu processo no Tribunal de Granada, começa em 15 de Setembro de 1569, sendo-lhe nomeado um procurador, Diogo Muñoz, por só ter 22 ou 23 anos. Depois de várias audiências chega a ser dado como “confitente fingido e dissimulado, confessando só o que lhe parece”. Os inquisidores, após a confissão das culpas (práticas contra a fé católica) consideram-no herege. Sentenciam “que o réu seja reconciliado em forma comum e seus pecados confessados, use hábito por um ano e seja durante esse tempo internado num mosteiro onde oiça missas e sermões e passado o ano seguinte largue o hábito”. Na sentença, dada e pronunciada na Praça Nova de Granada a 18 de Março de 1571, conforme certidão passada em 11 de Abril de 1572, diz-se que deve sair de hábito amarelo, com vela na mão, sem cinto nem carapuça com aspas vermelhas.
  
  
Granada - Praça da Santa Trinidad
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto Carvalho Dias

Durante este período residiu em Granada nos cárceres da Inquisição e nos Mosteiros de Santa Cruz e Santa Trindade. Foi pedir perdão a Roma.                     
Enquanto estava em Granada disseram-lhe que o pai, Fernão Vaz, fora preso pela justiça secular (4) e como não tinha quem tratasse dos negócios, requereu aos juízes inquisidores para sair de Granada e vir para Portugal.
 Em Setembro de 72 residiu em Lisboa e em seguida na Covilhã, onde foi preso pelo juiz de fora “por dizer que tinha culpas tocantes ao Santo Ofício” e depois foi solto.
 Agora já é mercador de lã, panos, picotes, espadas, açafrão, trigo. Chega a ir mercadejar até ao Algarve e em Medina, em Castela. Faz panos. É considerado rabino dos cristãos novos da Rua Nova, Covilhã.
 Em 28/11/73 casa com Leonor Roiz, filha de Antónia Roiz e de Francisco Roiz Cáceres na freguesia de S. João do Hospital, Covilhã. Foram testemunhas Simão Roiz e Estêvão Roiz e o padre celebrante foi André Roiz. No Processo são referidos “os seus meninos”, mas não é indicado o número de filhos que teve. Até Dezembro de 1574 morou com o sogro. Mudou-se para a Rua do Licº Fernão Vaz, tendo ido viver para as casas de “Marçal de Colónia framengo” até ao S. João de 75.
 Entre 1573-79 cumpre o seu ofício de fabricante e mercador (5):
     - Depois de 73, na Quaresma, encontra-se em Lisboa para ir à feira das Mercês (4) vender trigo, hospedando-se em casa de Ana Lopes. Dá estas informações nas alegações do Processo de Lisboa, provavelmente para serem confirmadas.
     - Em 77 ou 78 está na Feira da Flor da Rosa e na Cidade de Évora donde regressa na véspera da Páscoa. Outros mercadores se encontram com ele: Manuel Henriques, filho de Fernão Manuel de Covilhã, Fernão Lopes, filho de Simão Roiz da Guarda e outros
    - Em 78 ou 79 passa a quaresma em Lisboa vendendo açafrão. Ficou hospedado em casa “de um estalajadeiro, natural de Castelo Branco, chamado João Antunes, casado com a mulher que foi do Galego”.
    - Em todos estes anos frequenta a Feira das Virtudes, (6) de 1 a 10 de Setembro e depois em Setembro e Outubro está em Lisboa para receber o dinheiro do que antes aí vendera e também para despachar.
 O processo da Inquisição de Lisboa: A partir de 9 de Julho de 1579 são ouvidas várias testemunhas que apresentam “culpas contra Gonçalo Vaz, cristão-novo, mercador, morador na vila da Covilhã”. Após os depoimentos de António Feo (clérigo), Manuel Ravasco (estudante de Medicina), Francisco Giraldes (cardador), António Gomez (prior), António Proença (meirinho), Manuel Fernandes (cardador), Diogo Vilela (tintureiro), António Roiz (cardador), Isabel de Jesus (religiosa professa), Isabel Teixeira (empregada em casa de Gonçalo Vaz – “sopeira, viveu por soldada”), outros e até de um irmão, António Vaz (médico na Guarda), é dado como culpado. (7)
     Em 1582 apresenta termo da fiança prestada por Jácome Borges, cristão-novo, mercador e morador na Rua Nova, em Lisboa, para a ida a Granada buscar “o treslado das suas confissões” no processo em que esteve implicado, nos anos de 68-69 e do qual fora reconciliado em 1572, como atrás foi referido. Volta a Lisboa para se defender das acusações de judaísmo que lhe são assacadas.
 No ano de 1583 “vistas as culpas, pareceu que se devia prender pelos ajuntamentos em sua casa, em dias assinalados, alimparam as casas nas sextas-feiras, lençóis lavados e fazerem o mais que costumam os judeus. Por ser Isabel Roiz sua cunhada, presa em Lisboa, com muita prova de judaísmo; comprara leite em panela nova…” É entregue ao Alcaide do Cárcere em 17 de Março de 1584 e apresentado à Inquisição de Lisboa.
     Em 1584-85 novas ou as mesmas testemunhas continuam a ser ouvidas, referindo vários aspectos sobre a vida judaízante em casa de Gonçalo Vaz. Muitas vezes as testemunhas incriminam de judaísmo, mais as mulheres que os homens, dizendo que estes, normalmente comerciantes, estão pouco tempo no lar e também “folgam fora de casa”.
     A partir de 1586 há uma “ Comissão para defesa passada pelos inquisidores para que os guardiães dos mosteiros de S. Francisco e Santo António e Jorge Martins, (8)   secretário do Santo Ofício de Lisboa, oiçam as testemunhas de defesa do réu”. São apresentadas várias certidões, como a de casamento, a Carta de Inimizade contra a família Cão, concedida por D. Sebastião e as da Casa da Sisa dos panos de Lisboa. (9) Gonçalo Vaz é chamado a fazer declarações, “explicando a sua vida” e em vários pontos é defendido por Manuel Lopes, escrivão, Gabriel da oSeca, mercador, Rodrigo Manuel, prior de S. Pedro, Rodrigo de Figueiredo, prior de S. Paulo, André Aranha, comendador de Santa Maria, Antão Vaz, cavaleiro fidalgo del Rei, António Vaz, tecelão de panos, Jorge Vaz e Francisco Vaz do Pelourinho da Covilhã, Manuel Dias, entre outros. As testemunhas de defesa são cristãos novos (x.n.) como o réu, mas também aparecem alguns cristãos velhos (x.v.), como António Afonso, Baltazar Ferreira, Bartolomeu Mendes, Miguel da Costa, Francisco Delgado e Fernão Cabral, alcaide-mor de Belmonte.
 No seu depoimento o réu Gonçalo Vaz diz também “que tem muitos inimigos por ter sido seu pai procurador do Concelho da Covilhã, entre eles Ciciso Nunez de Albuquerque; que é irmão de Luiz Vaz que há 14 ou 15 ou 16 anos matou de uma estocada Manuel Cão, filho do licº Mendo Cão e de Brites Proença” (10), já referido acima. É também inimigo o lic.º Estêvão Magro, prior de S. Tiago e Arcipreste, (11) António Feio, prior do Salvador e amigo e parente dos Proença e amigo de Estêvão Magro. Também diz ser inimigo de outro tipo de pessoas como Francisca Dias, parteira que o réu difamou, de Maria Antunes a quem há dez anos chamou ladra, alcoviteira e bruxa publicamente e de outras que disseram mal dele.
     Em 18 de Janeiro de 1586 é considerado católico por algumas testemunhas.
     A 1 de Junho de 86 ouve a sua sentença: “Ir ao auto-de-fé com vela acesa na mão, cárcere a arbítrio”.
     No dia 26 de Setembro de 1586 o processo de Gonçalo Vaz na Inquisição é dado por terminado e Gonçalo Vaz solto. Não sabemos a data da sua morte.
 A mulher, Leonor Roiz, (12) também foi presa pela Inquisição, quando o marido, mas só termina o seu processo em 1588.
Após a leitura do processo e a organização destes dados biográficos, achámos interessante apresentar os documentos que serviram de prova ao que Gonçalo Vaz foi declarando, bem como os depoimentos das testemunhas de acusação da prática de judaísmo da família Vaz. A partir daqui poder-se-ão estudar rituais e costumes judaicos.

1) Ver neste blogue Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios V e Lista dos Sentenciados sob o nº 100. 2) Contamos transcrever este e outros documentos do Processo. 3) Lista das matrículas dos bacharéis e estudantes portugueses na Universidade de Salamanca em 1567/8, que iremos publicar. 4) Pensamos que tenha sido por causa do processo de Manuel Cão. 5) Referências pormenorizadas no Processo. 6) A Feira das Virtudes ainda hoje se realiza em Setembro na Aldeia das Virtudes, freguesia de Aveiras de Baixo, concelho da Azambuja, Ribatejo.7) António Vaz é o nº 70 da Lista dos Sentenciados na Inquisição. 8) Jorge Martins é natural da Covilhã, estudou em Salamanca, contemporâneo de Gonçalo Vaz e sepultado na Igreja da Misericórdia, Covilhã. 9) e 10) Pensamos transcrever os documentos que Gonçalo Vaz apresentou no Processo. 11) Iremos apresentar, transcrevendo, os depoimentos das testemunhas que nos dão indicações preciosíssimas sobre rituais e costumes judaicos. 12) É referida sob o nº 99 da dita Lista dos Sentenciados. 13) “ “ Indicam transcrições do processo.

Publicações neste blogue sobre o processo de Gonçalo Vaz:



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