quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Covilhã – Uma visita régia à Beira e Belmonte

 Uma Visita de D. Afonso V à Serra da Estrela                  

        Os itinerários régios parecem-nos interessantíssimos para percebermos como era habitual o Rei movimentar-se tanto e durante tanto tempo abandonar Lisboa, numa altura em que a cidade já era identificada como capital do Reino de Portugal. É provável que o Rei se quisesse mostrar e ao mesmo tempo ver e conviver com a nação. Este percurso de D. Afonso V e corte, de Junho ao fim do ano de 1453, de Évora a Viseu, permitirá certamente estudar todo o tipo de cartas outorgadas e a quem se dirigiam. Segundo Luís Miguel Duarte (1) “no seu desembargo quotidiano, o monarca autoriza uma legitimação, concede um perdão, estabelece uma tença, privilegia um vassalo, nomeia alguém tabelião ou escrivão de uma câmara” e raramente o destinatário é colectivo. Vejamos o que Luiz Fernando Carvalho Dias nos deixou (texto escrito provavelmente nos anos sessenta). Atentemos na curiosidade de esta visita se realizar em Novembro de 1453 pelo concelho da Covilhã e neste momento estarmos em meados de Novembro de 2011.




           Pouca ou nada sabemos dos itinerários régios.
            Há pouco mais de um ano o Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, brindou a cultura portuguesa com os Itinerários de D. Sebastião, determinados através de variadíssimos documentos da sua chancelaria: trabalho notável e da maior utilidade que realça já a vasta bibliografia do ilustre historiador de Prior do Crato.
            Recordo, no princípio do século XX, outro incansável investigador, Braamcamp Freire, no Arquivo Histórico Português, ao estudar os livros originais da chancelaria do Africano, legou-nos indirectamente alguns subsídios para a fixação dos itinerários deste monarca. Eis a fonte donde brotam os elementos desta nota.
            D. Afonso V, no verão de 1453, estacionou em Évora, até Nossa Senhora de Agosto; daí se dirigiu, seguido da corte, para Tentugal, onde demoraria até fins de Setembro. A estadia em Tentugal, na estação calmosa, dava vontade de aventurar que el-rei fora veranear até à Figueira da Foz!
            De facto a chancelaria régia que emitiu vários documentos de Évora nos meses de Junho e Julho, e de Évora e Arraiolos intermitentemente de 3 a 15 de Agosto, começou a datá-los de Tentugal a partir de 26 desse mês. Podemos daqui concluir: a viagem de D. Afonso V, do Alentejo à beira-mar, decorreu de 16 a 25 de Agosto.
            Cerca de 2 de Setembro o rei daria um salto a Coimbra e em 25 ao Botão, antes de se fixar na capital do Mondego de 7 a 20 de Outubro.
            O Outono da Beira, sobretudo a quadra posterior às vindimas oferece, após estios cálidos, frescuras amenas e uma tal riqueza e variedade de cambiantes, uma lumionosidade tão doce que decerto deslumbraria o Rei e quedaria para sempre na sua imaginação. Por isso várias vezes o surpreendemos, em peregrinação, por esta província de serranias e vinhedos.
            Sai, pois, el-rei D. Afonso V de Coimbra para a Lousã em 20 de Outubro; em 27 encontra-se em S. Romão; em 31 acolhe-se a Manteigas, para no dia de Todos os Santos assistir na Covilhã, aqui ouvir missa e de certo honrar, com a sua presença, os magustos tradicionais desse dia.
            Ninguém deve aventurar-se, mesmo após a certeza de tal itinerário, a atribuir ao Africano as primícias de uma régia escalada dos Hermínios! Os reis poetas D. Sancho I, D. Dinis e D. Pedro, ainda infante, também calcorriaram as veredas da Serra e pernoitaram nos lugarejos da montanha. O feitiço da serra com seus mistérios, a paisagem dos vastos e infindáveis horizontes atraía a si brutos e poetas, labregos e grandes senhores.
            No dia 4 de Novembro D. Afonso V sobe a Belmonte e aí residirá até 9 ou, possivelmente, até 10 para, em seguida, virar rumo a Penamacor. De 15 ainda restam documentos datados desta vila fronteiriça, misturados já com outros da Guarda. A estadia na Guarda vai de 15 a 20 de Novembro, encaminhando-se depois o Rei para Viseu onde estagiará até ao fim do ano.

           Um dos motivos atraentes desta viagem reside na sua direcção: S. Romão, Manteigas e Covilhã - uma travessia quatrocentista da Serra da Estrela feita pela Corte, com o Rei à frente!
            Acentuo que D. Afonso V permaneceu em Belmonte de 4 a 10 de Novembro. Nesse ano já o castelo era moradia solarenga. Foi ainda Luís Álvares Cabral que se mudou das suas casas patrimoniais, no centro da vila, para o castelo da sua alcaidaria. No castelo de Belmonte devia pois ter pousado El-Rei e aí seria recebido pelo alcaide-mor Fernão Cabral, pai do descobridor do Brasil.
            É de presumir que fosse em memória desta e de outras estadias em Belmonte, que mais tarde, em 1471, D. Afonso V coutasse o Monte dos Crestados, ao depois chamado Serra da Esperança; daí mesmo o dizer em sua carta régia de 6 de Outubro, onde nomeia Monteiro-mor de Crestados a Fernão Cabral. 
            “ por quanto queremos que (este monte) seja guardado para nosso desemfadamento, quando em elle quisermos correr monte ... “ 
            Depois da escalada à Serra da Estrela, D. Afonso V ficou a correr monte nas abas da Serra da Esperança!...
            O escudo real, esculpido na capela gótica de Nª Senhora da Piedade onde, num dos capitéis parece imortalizar-se o sacrifício de Fernão d’ Álvares Cabral, no cerco de Tânger, dando a vida pelo Infante D. Henrique, deixa adivinhar que el-rei D. Afonso V estaria presente à consagração do herói quando regressaram de África as suas nobres ossadas.
            Seria nesta jornada ou na de 1441?
            Do mesmo trabalho de Braamcamp Freire, sobre a chancelaria do Africano, podemos deduzir outra jornada deste rei por terras da Beira através da sua passagem na Covilhã em Julho de 1441.
            A Crónica de Rui de Pina quando noticia as Cortes da Guarda de 1465 referencia outra estadia de D. Afonso V na Beira. Desconhece-se por enquanto o itinerário régio de 1465.
            As brenhas e os descampados da nossa Beira não eram então, somente, alfobre de grandes soldados e de grandes portugueses; mereciam dos Reis que também se deslocavam até cá e prezavam a companhia dos serranos, visitas aprazíveis que enobreciam as terras, apesar dos encargos da aposentadoria, e por isso dignas de figurar nos seus fastos e ser recordadas à nossa memória e aos vindouros. 

 Reflexões de Luiz Fernando de Carvalho Dias 

Nota dos editores – 1) Duarte, Luís Miguel, “Um rei a reinar (algumas questões sobre o desembargo de D. Afonso V na 2ª metade do século XV)”, Fac. Letras do Porto/Centro de História de U.P.


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