sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Covilhã - Os Forais e a População nos séculos XV e XVI - II

A investigação de Luiz Fernando de Carvalho Dias sobre os Forais prende-se  com a da população, como já percebemos. É difícil escolher o caminho a seguir para a publicação dos seus trabalhos, tanto mais que por vezes temos tópicos e não o texto revisto. Optámos por publicá-los mesmo assim, até porque poderão dar pistas a alguém que leia estas reflexões.

Foral de Lisboa

  São os próprios forais manuelinos que na sua introdução nos referem que os antecederam diligências, exames e inquirições para sua justificação e declaração e sentenças e determinações tomadas pelo Rei, com os do seu Conselho e letrados.

            Parece, contudo, que as inquirições levadas a efeito pela carta anterior a 1496 e pela carta de 22 de Novembro de 1497, não conduziram ao escrito e pleno do trabalho, sobretudo no que dizia respeito a posses e usos antigos, pois Damião de Góis, na sua Crónica de D. Manuel, castiga duramente Fernão de Pina, escrivão dos forais, como culpado pelas dúvidas que surgiam todos os dias entre senhorios e vassalos e a Corôa, às quais nem a Relação nem a Fazenda do Reino davam solução. (1)
            Mas a Fernão de Pina, como escrivão, pouca ou nenhuma culpa caberia nos enleios a que a reforma precipitada deu lugar, nem à ganância pelos 4.000 cruzados de tença que El Rei lhe prometeu pela rapidez do trabalho, se pode atribuir tal efeito.
            A culpa cairia mais sobre os magistrados Dr. Ruy Boto, do Conselho del Rei e seu Chanceler Mor e Dr. João Façanha, desembargador (primeiros deputados para a reforma, conforme a carta régia de 22 de Novembro de 1497) e Drs. Diogo Pinheiro, João Pires, Braz Neto, Luiz Eanes, João Cotrim e Pedro Jorge, licenciado Ruy da Grã e bacharel Afonso Madeira, do que sobre o escrivão, não só por compartilharem na benesse régia, mas ainda pela sua maior responsabilidade técnica.
            Cremos assim ser diminuta a culpa de Pina, e que Góis falara antes por inimizade ou despeito  do que por justiça, pois acresce que as benesses régias são de 20 de Julho de 1504 (2) e de 30 de Agosto do mesmo ano, (3) quando os forais não estavam acabados e a tarefa estava muito longe de ainda ser concluída.
            João Pedro Ribeiro afirma “já em 1497 foi elle (Fernão de Pina) quem levou a Çaragoça os pareceres dos ministros sobre os mesmos Foraes “ (4) e mais atrás : “ Antes de Abril de 1497, já se tinha tomado em vista a continuação desta empreza; pois que já então forão levados a Çaragoça os Pareceres sobre os foraes por Fernão de Pina. (5)
            Os pareceres não são a reforma. E se o foral manuelino de Lisboa é de 7 de Agosto de 1500, os forais da Beira são todos de 1510 e alguns muito posteriores, o que demonstra que a reforma se alargou por todo o reinado de D. Manuel e que não foi tão rápida como se inculca. O próprio Góis quando faz a síntese da grande actividade do Venturoso parece contradizer a sua anterior opinião quando diz “ Deu foraes novos a todalas cidades e lugares do Reino, com que tirou e declarou muitas duvidas que nos velhos havia “ (6).
            As diligências eram complicadas, porque havia que rever todo o sistema tributário que aos mesmos forais andava anexo, o que exigia um cuidado especial e um profundo estudo para não atingir os privilégios e isenções de que os povos eram ciosos. Outras reformas demoraram muito mais tempo - a codificação afonsina pedida ainda a D. João I só ficou concluída em 1446. As Ordenações de D. Manuel, iniciadas em 1505 só ficaram definitivamente acabadas em 1521.
            Data de alguns forais manuelinos da Beira:
Os forais de Belmonte, Covilhã, Castelo Branco, Castelo Novo, Guarda, Idanhas, Monsanto, Penamacor, Proença, Pena Garcia, Rosmaninhal, Sortelha, Sovereira Formosa, Segura e Salvaterra são datados de Santarém a 1 de Junho de 1510. Mas o foral de Sarzedas já é de Lisboa e de 1 de Agosto de 1512 e o de S. Vicente da Beira de 22 de Novembro, da mesma cidade e ano. O da Sertã é de Lisboa, também, mas de 1513, como o de Oleiros a 20 de Outubro.
            São de 1514: o de Álvaro a 4 de Agosto; o de Alvares, a 4 de Maio, o de Alvoco da Serra da Estrela a 17 de Fevereiro, o de Manteigas a 4 de Março e o de Valhelhas a 20 de Maio, todos de Lisboa. Finalmente o de Belver é de 18 de Maio de 1518.
            Só a título de curiosidade se citam os forais das terras a que não faz referência o documento que comentamos, embora interessem para a comparação com os nele referidos, a não ser o da Guarda que serve de modelo, quanto á portagem, entre outros aos forais de Sortelha, Belmonte e S. Vicente da Beira. 

Notas:
( 1 ) - Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, cap. 25, vol 1º, Damião de Góis, Coimbra 1926.
( 2 ) - ANTT, gav. 20, m. 10, nº 7.
( 3 ) - ANTT, gav. 20, m. 10, nº 6.
( 4 ) - Dissertação sobre a Reforma dos Foraes, por J. P. Ribeiro, fls 23.
( 5 ) - idem, fls 7.
( 6 ) - Góis, obra citada, volº 4º, fls 208, Ed. 1926. 

Reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias 

     Ainda antes de apresentarmos o Numeramento de 1496 publicamos uns tópicos do autor sobre “O interesse dos estudos demográficos”, seguidos de dois documentos relacionados com a contagem de população, anteriores ao Censo de 1496: um com o Regimento dos Corregedores das Comarcas e outro sobre os Contadores, datado de 1482. 

O interesse dos Estudos Demográficos 

            Factos que afectam a população, cujo estudo está intimamente relacionado com ela. Muitos destes factos estão estudados e relacionados em Portugal menos nos seus aspectos demográficos.
            Panorama mundial destes estudos.
            Fontes dos estudos demográficos em Portugal nos séculos XV eXVI.
            Os livros dos registos de baptismos e óbitos (seu carácter incompleto por falta da emigração, mas óptimos para o estudo da saúde da população) ajudar-nos-iam a fazer estudos demográficos preciosíssimos, se atendermos a que muitos dos livros de registo vão até ao século XVI e neles há descrições até de epidemias e guerras e fomes, com os livros das misericórdias, os tombos dos bens dos concelhos (1612), as corografias do século XVIII (sínteses) suas bases.
            Róis dos confessados também de interesse circunscrito.
            As monografias para o dicionário do Padre Cardoso.
            Cortes ( capítulos de )
            Documentos locais. 

Regimento dos Corregedores das Comarcas 

Ensina J. P. Ribeiro, em nota a este regimento, no Tomo 3º das Dissertações, (apêndice, fls 97 e segts) que “ não contém Disposições posteriores ao Reinado do Senhor D. Pedro I (1357-1367), ao qual se deve atribuir, ou ao principio do do Senhor D. Fernando, (1367-1383) cuja Lei das Sesmarias omite. Vê-se porém de diversos lugares, que adiante notarei, ter sido em algumas partes servilmente copiado de outro exemplar do Reinado do Senhor D. Afonso IV (1325-1357) pelas expressões contraditórias que emprega. Serviu em grande parte de fonte ao Liv. 23 dos Corregedores no Liv. 1 Afonsino, cujos paralelos noto à margem; porém alterado em alguns lugares em razão de novas disposições dos Senhores D. Fernando e D. João I” (1383-1433). 

“ ... Item (1) o Corregedor nas vilas e logares hu chegar deve ssaber os vassalos que El Rey hy ha per nomes e de que logar ssom e sse ssom lydimos e que obras fazem aly hu vivem e o que ha de renda cada huum.
E que guisamentos teem para sseu sserviço e de todo como o ssouber assy o envye dizer a El Rey. (2) ... “
 “ ... (3) Item outrossy devem poer esses Vereadores a cada huma ffreguesia dous homens boons pera teerem contados esses da ffreguesia e ssaberem como estam guissados pera serviço d’ El Rey ssegundo he mandado na ssua Hordinhaçom e teerem huum livro desto.
(4) Item outrossy estes dous homens boons sse ssouberem parte que a essa ffreguesia chegou homem estranho e hy morar de dous dias em deante deveno ffazer ssaber aos Juizes pera ssaber que homem he. E assy devem perceber todalas rruas dessa ffreguessia pera lho ffazerem ssaber.
Estes que ham de guardar as ruas, e as ffreguesias trabalhem (5) ... etc “.
.“ 5. Item mando o Corregedor aos Almotaçees cada hum em sseu mes e tempo vejam carneçeiros e paadeyros, e vynhateyros, e regateyras, e almocreves, e pescadeyros, e fferreyros, e fferradores, e candeeyros, e candeeyras, e todalas outras, que ham de dar as mercadorias, e oleyros, e çapateyros, e alfayates, e todolos outros, cada huum em sseu mester, das cousas que ham de dar, assy per peso, como per medyda, e todalas outras cousas que ssom com alvydro e posturas do conçelho, que as dem pela guysa, que devem, ssegundo per elles he mandado, e conteudo nas posturas, que per elles são postas, e ffaçam aas paadeyras dar pam lympo, qual devem, pelos pesos direitos, e que talhem com os carneceyros tres vezes no ano, e abayxem as caarnes, e alçem pela gysa que devem, e que entenderem que compre, assy que dem gaanho aos carnyceyros, e o Conçelho sseja servydo delles pela gysa que devem servir, e esto mesmo façam a todollos outros, outros, que sso regra, e sso a almotaçaria vyvem, dando a cada huum delles gaanho, e ffazer a elles que dem aquellas cousas, cada huum em seu ofycyo, e asy que poboo servido delles ... “

(1 ) - Falta na Afonsina o princípio deste § .
(2) - Regimento dos Corregedores das Comarcas. In J. P. Ribeiro. Dissertações etc. Tomo 3, p. 2. Lisboa. 1857, pag 108.
(3) - Vid. Aff. Liv. 1 tit. 27.
(4) - Vid. Ibid. tit. 26 e 27.
(5) - Regimento dos Corregedores das Comarcas, in J. P. Ribeiro, Dissertações,etc. Tom 3, p. 2, pags 114 e 115. Lisboa 1857.

Sobre os Contadores 

      Sobre Contadores 

Nos El Rey (D. João II) fazemos saber a vos f... escudeiro de nossa Casa que este he o regimento e manejra que por nosso serviço aveeis de ter acerqua do que vos hora mandamos fazer com os coudes sobre os acontiados.
Primeyramente hireis à Comarqua de tal, e sabereis em que lugares os contadores dellas estam, e hi vos a elles e cada hum delles e per sy dir lheis que elles com os vedores e vassallos, e escrivaes dos ditos officios das Cidades Villas, lugares de suas contadorias metam a rol todolos vassallos que nelles ha, e de que calidade sam, segundo nas Cartas que lhej escritas temos vaj decrarado das quais levais o terlado e que per quanto esta cousa he mujto necessaria a nosso serviço de se logo assy fazer e acabar vos mandamos aver e saber o que acerqua dello tem feito e por fazer da deligencia que a ello dam e a maneira em que o fazem pª verdadeiramente podermos ser certificado do que a este caso compre e nos de todo averdes de jnformar se alguns dos ditos contadores em sua contadoria ja tiver feitos todolos roles segundo lhe mandado temos requererlheis que volos de pª Nos os trazerdes E se no forem acabados, que com grande trigança e deligencia os acabe e faça todo o que lhe mandado temos, e que tanto que acabados forem no los enviem per pessoa fiel çarrados e aselados pª nos assy em nossa mão serê entregues.
Sa alguns dos ditos contadores achardes negrigente em fazer e cumprir o que lhe acerqua dos ditos vassallos mandado temos vos lhe requerej da nossa parte que loguo com mujta triguança e deligencia começe de o fazer em vossa presença dando lhe pª o asj fazer e acabar tempo de dous meses primejros seguintes do dia que lho asy requererdes sob pena do que o assj nõ fizer e nos enviar todo feito na forma que lhe escrito temos por pessoa fiel e os Rolles cerrados e asellados e nos nõ forem dados em nossa mão per todo o dito tempo que lhe assj assinardes tomarees estromento feito por tabaliam prubico com o regimento que lhe asj fizerdes pªa no lo trazerdes e per elle sabermos se vem ao tempo que deve pª lhe termos em Serviço e se não pª se executar nelle a pena do perdimento do offº.
Vos mandamos que emquanto estiverdes com os ditos contadores sempre sejais com elles prezente ao fazer dos ditos Roles pª verdes como se fazem e com que deligencia pª vos dello saberdes dar recado.
Direis aos ditos vassallos que sejam certos aquelles que quizerem ter cavallos e armas pª nosso serviço continuamente que lhe mandaremos fazer muj bõ pagamento de suas contias nos Almoxarifados onde viverem nos Lugares onde cada hum milhor vier e mais que alem disto que de nos sempre receberam favor, e merçe nas cousas que nos justamente requererem como nossos criados, e assy mandaremos que sejam bem tretados, e receberão honra e favor nos lugares onde viverem; e isto mesmo direis aos contadores e vedores dos vassallos e escrivães da nossa parte lho digam e lhe façam assj todo saber pª com amjor vontade acertarem de nos servir.
Vos trabalhareis de saber se algumas pessoas dam em alguma manejra torvação a esta ordenança se nom fazer e se achardes que se faz dizei a todos os ditos vassallos e a outros quaisquer pessoas que sejam as cousas neste cpitulo em cima contheudos de guisa que per nenhuma outra torvação se nõ leixê de fazer o que a nosso serviço compre.
Tereis manejra que por onde agora primªmte fordes e começardes de prover e fazer as cousas neste regim.tº contheudas athe cheguardes ao derradeiro luguar onde o que dito he ajaees de fazer que de façais a vollta p onde assy começardes pª verdes se he ja tudo feito como deve e nos trazerdes os ditos roles como ja dito he.
Porem vos mandamos que com grande deligência e cujdado requerais e façais as cousas contheudas em este nosso regimento segundo de vos confiamos que fareis e muito volo teremos em serviço, feito em Evora aos xxjx dias de Julho de mil iiij l xxx ij.
(Évora, 29 de Julho de 1482)  (1)

Fonte – 1) Pombalina 443 - Miscelânea Histórica (letra do sec XVII), fls 68 e 68 vº.

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