Iniciamos hoje a apresentação de vários textos de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre a história dos lanifícios (1) e o papel da Covilhã nesta indústria. O Conde da Ericeira, no reinado de D. Pedro II, (2ª metade do século XVII) tomou várias medidas para desenvolver as manufacturas na Covilhã, Fundão e Portalegre dentro do espírito proteccionista/mercantilista. Contudo, antes, em Portugal e na Covilhã, qual era o cenário deste sector?
O fabrico dos panos de lã pressupõe a necessidade primária do homem se vestir, a existência da lã e de uma técnica adequada. A criação de ovinos e a técnica surgiram em tempos remotos e já as primitivas civilizações as conheceram e desenvolveram. Em Portugal já florescia nos primórdios da nacionalidade, herdada dos povos que formaram o subsolo da nossa unidade étnica.
É, pois, natural que muitos documentos nos falem da lã, sinal de quanto era apreciada. Contudo o maior contingente dos panos consumidos no Reino vinha de países estranhos. Os países do norte da Europa foram, sobretudo na primeira dinastia, com os reinos que integram hoje a Espanha, a principal fonte do mercado português, como se deduz da nomenclatura dos panos que várias disposições legais nos legaram, respeitantes à entrada dos panos de Castela.
Lembremos, entre os primeiros, um documento atribuível ao período que decorre de 1223 a 1279, com a notícia de panos estrangeiros, que nos dá nota de panos de cor e de frisas, de buréis, de picotas, de palenções e de panos de Lyon.
Panos obrados no Reino, só o Regimento das Sisas de D. Afonso V que refere buréis e panos meirinhos ou de lã merina para indicar como marco fronteiro do seu fabrico, entre nós, o reinado de D. João I, após a publicação dos artigos das sisas.
No reinado do Africano (D. Afonso V) estima-se e protege-se este fabrico: oferecem-se privilégios a um judeu de Penamacor, tecelão de panos.
É, porém, no reinado de D. João II, e sobretudo em tempos de D. Manuel que a arte assume novas asas e cobra os favores da Coroa. Nos instrumentos notariais deste período começam a figurar testemunhas com este mister. Por isso, ainda que sem base documental, presumimos que o progresso desta arte, entre nós, coincide com a chegada dos judeus de Espanha e a ela andam ligados os mercadores e artífices dos países do norte e da Itália que acorreram ao reino atraídos pelo chamariz dos Descobrimentos.
O século XVI é já todo ele assinalado com documentos respeitantes aos panos portugueses: não nos referimos só aos de natureza fiscal que, embora inequivocamente nos falem do fabrico de panos no reino, assinalam, como nos séculos anteriores, indistintamente os de proveniência nacional e estrangeira, mas aos privilégios dos mestres e oficiais, aos regimentos, às transferências de oficinas, aos despachos nas alfândegas e a outros.
Mas da resma dessa documentação nada excede em importância os dos ofícios e o do Regimento dos Panos de D. Sebastião. Este, publicado em 1573, conserva-se vigente durante todo o século XVII e, apesar de acrescentado nas suas disposições administrativas em 1690, atravessa incólume o período pombalino para vir a morrer às mãos de Mouzinho da Silveira em 1834.
O Regimento de 1573 e os regimentos dos Ofícios ao apresentarem uma natureza normativa extremamente flexível que deixa uma larga margem para a iniciativa e para a adaptação às realidades, não espelham o mundo vivo da realidade, com as suas lutas de interesses em movimento; carecem, por isso, de ser completados e corrigidos por textos que reflictam o modo como os homens e as instituições se comportaram perante esse mundo do dever ser, tantas vezes, utópico.
Por isso, ao lado do mundo das leis, cabe estudar o mundo das realidades económicas e, para isso, é precioso o relatório de Gonçalo da Cunha Vilas Boas, braço direito do Conde da Ericeira, que nos oferece um quadro debuxado dessas realidades.
Reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias
Nota dos Editores – 1) O autor publicou várias obras sobre este assunto. Ver a bibliografia apresentada no dia 1 de Maio neste blogue.
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