quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Covilhã - Invasões IV

Hoje publicamos a transcrição de umas páginas da obra de Acúrsio das Neves, feita por Luiz Fernando Carvalho Dias , sobre um episódio passado na Covilhã aquando da 1ª Invasão Francesa.
No Tomo 4º (de a “História da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino”, escrita por José Acúrsio das Neves, 5 vols., Lisboa, 1810) - “Neves (1) refere-se com lástima aos tumultos contra os judeus em algumas terras da Beira e Trás-os-Montes, derivados de alguns se fazerem com os franceses.

Fls 259 “Observarei de passagem, que a mesma animosidade contra os judeus, que se manifestou em Bragança e em Vila Nova de Foz Côa, aparece igualmente em Viseu, na Covilhã, no Fundão e em todas as terras do Reino, onde há fama deles se acharem estabelecidos; e por toda a parte se lhes fizeram as mesmas imputações de aderência aos franceses. Porventura teriam elas algum justo fundamento? No geral não o creio, no particular alguns indivíduos poderia haver que merecessem esta nota, assim como os houve em todas as classes e hierarquias de pessoas:”

Ver Cap. XXXII, a fls 65, do vol. 4º

“A Guarda foi tomada sem defesa em 3 de Julho de 1808 por Loison, depois de se ter levantado no dia precedente.
“Por este tempo se levantou a Covilhã, vila notável que o grande trato dos lanifícios (2) tem feito populosa e rica, a qual se estende sobre uma ramificação da serra da Estrela no seu flanco meridional 6 léguas abaixo da Guarda. O Zêzere, que corre em pequena distância, e uma infinidade de regatos, que caem das montanhas, ajuntam a fertilidade à amenidade dos seus campos e às vistas soberbas e pitorescas que ornam este país, um dos mais deliciosos de Portugal. A vila acha-se um pouco desviada da estrada e a sua posição a salvou de ser destruída.
Logo que se efectuou na Guarda o levantamento do dia 2, expediram-se avisos à Covilhã (assim como outras mais terras em roda), os quais concorreram com outros do Governador de Coimbra; e foi em consequência deles que o juiz de fora Caetano de Melo da Gama Araújo e Azevedo aclamou de suas janelas o nome do Príncipe Regente a 3 pelas 9 horas da manhã. De tarde repetiu-se a aclamação pelas ruas em concurso e procissão solene da Câmara e de um grande número de pessoas de todas as ordens; sendo conduzido o estandarte Real pelo Tenente-Coronel do 1º Regimento de Milícias da Comarca Gregório Tavares. Estava destinado o dia 4 para a celebração de um Te Deum, mas chegando nesse mesmo dia pelas 7 horas da manhã a notícia dos estragos da Guarda e da marcha de Loison, foi necessário suspender as funções da Igreja, para se cuidar nas de defesa.
Gregório Tavares pôde reunir uns 200 homens, quando muito, do seu dissolvido regimento. O Juiz de Fora, e os oficiais das ordenanças ajuntaram um maior número de paisanos que trataram de armar do modo possível, e distribuir pelos postos de mais importância: pólvora achou-se bastante, mas faltavam as balas que somente puderam fazer-se depois de passado o perigo, e também as espingardas eram em pequeno número. O Povo manifestava grande entusiasmo; e aqueles que se tinham posto à sua frente para o dirigir, muita actividade e muito patriotismo; foram porém manchadas estas disposições com o sangue de dois infelizes ingleses: exporei o facto.
Achavam-se estabelecidos na Covilhã um irlandês chamado Mateus Reynolds, homem assaz industrioso e com muitos conhecimentos das artes e um outro estrangeiro, que lhe servia de língua e de ajudante, encarregados da construção de uma nova máquina para a fiação das lãs da fábrica.
Estes homens, que como estrangeiros, e pode ser por génio, tinham pouca comunicação com a gente da terra, não tomaram a parte activa que o povo queria nestes seus movimentos. Quando se andava pelas casas pedindo a cada um armas e munições que tinha, também se foi ter com eles e não quiseram dar as suas, fazendo-se, por isso, suspeitos ao povo, que em consequência os apertou mais vivamente, e eles se encerraram em casa. Em um instante foi esta rodeada e, saindo o língua com uma espada na mão, como quem queria brigar, apenas ia pondo os pés na rua, caiu morto no meio da multidão. Então Reynolds se fechou depressa por dentro e rompeu no desvario de subir a uma janela e fazer fogo sobre o imenso povo, que tinha concorrido; imediatamente uns investiram a porta, outros as janelas e outros, mesmo, aos telhados e o infeliz, querendo atravessar por entre a multidão, caiu oprimido e atordoado com pancadas, mas não morto. Pediu a confissão e, é o que lhe salvou a vida, porque suspendeu o furor popular; era tal o estado em que se achava, que o conduziram em uma tumba para a Misericórdia, conseguiu porém restabelecer-se e foi, depois, remetido para o Porto.
Muitas balelas se espalharam a respeito destes estrangeiros e, penso que sem fundamento verdadeiro. Registaram-lhes exactissimamente a casa e achando-lhes alguns arráteis de pólvora, e uma porção de balas de cobre, que provavelmente lhe serviriam de alguma coisa para o uso das suas máquinas, chamaram-lhes traidores e publicaram que tinham correspondência com os inimigos e conservavam para eles grandes depósitos de armas e munições, até das balas de cobre figuraram balas envenenadas, e da pertinaz resistência que se propuseram fazer, tirou-se por conclusão, que esperavam os franceses, pensando pelo ruído do povo que ouviam serem estes que vinham já entrando na terra.
É muito provável que Loison se não propôs a entrar na Covilhã; se se propusesse não havia ali forças que lhe pudessem obstar.
Foi seguindo a estrada direita e na tarde do mesmo dia 4 se avistou a 2 léguas da vila para as partes de Belmonte, ficando-lhe de permeio o Zêzere. Toda a noite seguinte foi de grande reboliço e Gregório Tavares teve o arrojo de ir com um piquete observar o inimigo junto ao lugar de Caria, onde tinha acampado: Loison o que queria era ver-se livre do meio de tantos povos insurgidos e, por isso, sem aceitar desafios, levantou campo e continuou seu caminho, ficando em poder dos nossos um extraviado, que foi conduzido à Covilhã com grande alvoroço e declarou que era de 4.400 homens e não levava artilharia.
Á vista do prisioneiro levantou-se um franciscano chamado Fr. José da Madre de Deus, natural e morador na Covilhã e disse: Pois eu não hei-de também ir buscar alguns prisioneiros?
Foi dito e feito; saiu acompanhado somente de um paisano valoroso chamado o Bichinho, passando o Zêzere uniram-se mais quatro paisanos do lugar de Peraboa e foram dar com sete franceses junto à Capinha, de que mataram um e aprisionaram os seis restantes. Foi este o primeiro passo da carreira patriótica e militar do Padre Fr. José da Madre de Deus, em que depois se distinguiu muito, qual outro frade do hábito branco, principalmente no bloqueio de Almeida. Eu o conheci ultimamente em Lisboa, solicitando licença para ir levantar uma guerrilha contra o exército de Massena.
O Fundão despovoou-se, mas Loison não entrou nesta vila porque se não desviou da estrada. Assim mesmo lhe foram ficando por aquelas terras bastantes prisioneiros, que provavelmente se extraviavam, por não poderem seguir a marcha”.

Notas dos editores – 1) José Acúrsio das Neves (1766-1834) licenciou-se em Leis na Universidade de Coimbra. Casou e exerceu a profissão de magistrado, juiz de fora e corregedor em Angra do Heroísmo. Voltou à Beira, onde escreveu panfletos nacionalistas contra os franceses invasores. Exerceu profissões públicas como deputado, desembargador, ou dirigente da Real Fábrica das Sedas. Mas a Revolução Liberal de 1820 apanhou-o, primeiro abraçando-a e depois criticando-a e apoiando a contra-revolução  e o governo miguelista. Apareceu morto na Beira, num palheiro, onde, é voz corrente, se costumava esconder. Distinguiu-se como economista e defensor da indústria em Portugal. 2) Acúrsio das Neves também publicou em 1820 “Memória sobre os Meios de Melhorar a Indústria portuguesa Considerada nos seus Diferentes Ramos”

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