terça-feira, 9 de agosto de 2011

Covilhã - A Misericórdia, uma instituição de solidariedade social IV


A Misericórdia da Covilhã e a peste do fim do século XVI


Publicamos hoje uma pequena transcrição feita por Luiz Fernando Carvalho Dias, retirada de um Livro de Registos Paroquiais, sobre a denominada “peste pequena” que chegou a Portugal vinda da Flandres, através de Espanha e que também afligiu os covilhanenses. Numa 1ª parte o manuscrito indica-nos que a peste acabou, qual o número de mortos na Casa de Saúde e noutros locais da vila. A seguir somos informados sobre as despesas com a tragédia e ainda donde veio o dinheiro necessário para os pagamentos: do cofre dos órfãos, de empréstimos e até, provavelmente, de um imposto extraordinário sobre bens essenciais, como aconteceu noutras cidades. A última parte refere uma procissão saída da Misericórdia no dia de Santo André de 1599 (hoje festeja-se no dia 30 de Novembro) para fazer penitência. Estas cerimónias muitas vezes são suspensas a partir da declaração da epidemia, devido a cuidados com a saúde pública.
As pestes foram comuns na Idade Média e Moderna, estando normalmente ligadas à fome e à guerra e conflitos sociais – a chamada trilogia da morte – que atormentava as populações. Assim havia medidas relacionadas com a saúde pública, implementadas pela Coroa, que assumia o papel principal. Escolhia-se, nas elites, o cargo de Guarda-Mor da Saúde que tinha várias funções, enquanto houvesse peste: indicar dois meirinhos que o assessoravam e pôr em prática o Regimento para superintender o acesso à vila. (1)  


Enterramento dos Mortos pela Peste, segundo iluminura
de Gilles Le Muisit  (Biblioteca Real de Bruxelas)

Fls 215 do 1º livro Mixto de S. João Mártir

“A 9 de Jan.rº de mil e seis c.tºs se levam/tou bamdrª de saúde nosso Senhor/Seja louuado qq. Emtam pouquo tempo Se / Acabarão os males em hua vila de tam/ta gemte q. foraõ çimquo messes nos / quoais falecerão em toda a vila mil e tre/zentas e tamtas p.ªs emtre gramdes …/peqnos das quasi morrerão na cassa da sau/de (2) perto de quatro çemtas e as mais / pela vila.
Gastarão se seis çemtos e tamtos …. / Rs. os quais se tirarão darqua dos or…/ qujnhetos mil p. hua provissão del Rej …/  so senhor e a demazia forão dez mil …. / empréstimo de certas p.ªs p.ª ho ……/ Acresçemtou na carne …../ ci na villa como no termo …./
(Fls 215 v.) hua procição sse fez de penjtençia / em dia de S. Amdré do ano de 99: forão as / (Imageis) seguimtes a qual sahio da miã (misericórdia) (3) / Logo no primçipio sairão as bamdejras / da miã e emtre elas os irmãos todos / descalços e logo S. Amtº em hua cha/rola a qual Leuauão os mancebos / nobres e logo S. fr.cº em outra cha/rola e a leuauão os mordomos da / cõfraria do cordão e logo ho mar/…S. Sebastião com seus mordomos / e seus balamdros (sic) vermelhos e / logo Nosa S.rª do Castelo com sua / charola da Câmara cõ seus mordo/mos com seus balamdros e / logo hu cruçjfixo Gramde em / hu Amdor ho qual leuauão qua/tro cleriguos dordeis deVamge/lho e logo atrás hião hu guarda / mor e Juiz e Vreadores com os mais / da Governamça e todos descal/ços e todos os clérigos e frades / de S. fr.cº jão descalços e toda a / mais gemte sem fiquar pª al/guma calçada e foj a preçjção / per hõde vaj a das emdoemças e / chegamdo a S. fr.cº ouve huã pre/…cão de m.tª devação e acabada se / tornaraõ p.ª miã./

Nota dos Editores – 1) Fontes – Dicionário de História de Portugal, Iniciativas Editoriais. Abreu, Laurinda, A Cidade em Tempos de Peste: Medidas de Protecção e Combate às Epidemias, em Évora, entre 1579 e 1637, Universidade de Évora, Departamento de História. 2) Interessa recordar o que Luiz Fernando Carvalho Dias escreveu em Instituições Primitivas de Solidariedade Social III sobre este assunto; parece coincidir com Laurinda Abreu que afirma que as casas de saúde nesta altura mais não eram que casas particulares bem longe da povoação, para que o mal ficasse circunscrito e não se espalhasse. Se as Câmaras não cumprissem esta medida de saúde pública logo eram advertidas. 3) As instituições de solidariedade social e as Misericórdias, estas criadas pelo poder central, vão sendo encarregues de orientar a assistência e pôr em prática as obras de misericórdia.

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