sexta-feira, 1 de junho de 2012

Covilhã- Inquéritos à Indústria dos Lanifícios I


Vamos iniciar a apresentação de um novo tema: Inquéritos à Indústria dos Lanifícios. Começamos por publicar elementos relativos aos lanifícios na Covilhã, extraídos de um inquérito industrial de 1802-1803 que Luiz Fernando Carvalho Dias já publicou na sua "História dos Lanifícios (Documentos)". A seguir iremos dar notícia de um outro inquérito às condições dos trabalhadores da indústria dos lanifícios – “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria”, que em 1937 o investigador projectou, orientou e apresentou conclusões, mas que nunca foi publicado.
Os Inquéritos recolhem informação quantitativa num extenso universo, duma forma mais ou menos rápida, eficiente e flexível. Podem ter desvantagens, como os inquiridos estarem pouco motivados, ou até serem pouco honestos nas suas respostas.
Especificamente em relação à indústria em Portugal chegaram-nos vários inquéritos. É evidente que nem sempre lhes devemos chamar inquéritos, mas sim listas ou mapas, e muito menos os podemos comparar entre si para não incorrermos no risco de a realidade ser distorcida.
Quanto ao Inquérito de 1802 vamos, primeiramente e aqui, apresentar apenas alguns documentos. As tabelas ou mapas referentes à Covilhã contamos publicá-los neste blogue em os “Contributos para a História dos Lanifícios”.
     O Inquérito de 1937 é constituído por um preâmbulo, uma parte teórica, gráficos, relatório, história e documentos e será publicado a seguir ao de 1802-1803.

Inquérito Industrial de 1802-1803

Senhor

   Por ordens circulares mandou Vossa Alteza (1) aos Superintendentes gerais das Fábricas e aos Corregedores das Comarcas do Reino que, sem perda de tempo lhe remetessem mapas do actual estado, progressivo, estacionário ou decadente das Fábricas que existissem nas suas respectivas jurisdições; do número de operários que ocupassem; dos géneros que conssumissem na sua laboração; das obras que anualmente fabricassem; e do consumo e exportação que estas tinham: ajuntando - se a cada mapa uma informação sobre todas as coisas que pudessem influir no fomento, ou melhoria da Indústria Universal.
   Sendo as ditas ordens expedidas desde 23 de Janeiro até 6 de Março do ano próximo passado de 1802, os Ministros que têm escrito sobre elas, o fazem com tal incoerência que não se devem supôr cumpridas as mesmas Ordens; porque à excepção do hábil Corregedor da Comarca do Crato, uns persuadindo-se de que não deviam ligar as suas compreensões aos quesitos que se lhe fizerem, rompem os grilhões da obediência, dando em lugar de uma resposta categórica, razões abstractas derivadas de axiomas vulgares; outros limitam-se a dar notícias das Fábricas estabelecidas nas suas Comarcas, designando meios, que só cedem em benefício dos proprietários delas; outros apontam unicamente a Fábricas que hã nos distritos das suas Jurisdições; outros só dizem que não as têm; e outros finalmente que ainda não responderam: de sorte que tendo decorrido quase um ano, é imprati­cável conseguir-se o fim para que Vossa Alteza Mandou expedir as sobre­ditas Ordens, como passo a mostrar pela simples análise dos Oficios dos ditos Ministros. […]

   O Corregedor da Comarca de Castelo Branco informa, que ela se acha em total decadência a respeito de Fábricas a qual se verificava por vários livros das Comarcas onde tinha visto regimentos do ano de 1635 para tece­Iões e tosadores e posturas sobre lavagens e vendas de lã; tecelões tosadores e cardadores; cujo ramo de indústria, sem dúvida continuara até ao ano de 1690, em que se publicou o Regimento geral de 7 de Janeiro, e ainda depois; porque tambem via que em todas as Vilas da Comarca se ficaram conservando os Juízes Vedores criados no dito Regimento; e em muitas terras sisas de panos, que hoje não haviam; assim como não existiam em Alpedrinha os sombreireiros de que abundava; nem na Vila de Monsanto e na Cidade de Castelo Branco curtidores; havendo apenas em Alcains alguns maus sombreireiros e em nenhuma parte curtidores, de que resultava sair para fora toda a coirama de bois, e gado de cabelo, e perder-se toda a de ovelha. E não duvidando serem as causas desta decadência, que influi muito na agricultura, terem-se tirado, desde Maio de 1798 até Abril de 1799, daquela Comarca mais de mil recrutas; acharem-se fora dos seus quarteis a sua única tropa; e haverem-se restabelecido no ano de 1759 as Fábricas da Covilhã, que deixara muito pouca laboração na mesma Comarca; parecia a ele Ministro que o meio mais óbvio e pronto para esta prosperar era mandar-se para Penanacor o seu Regimento de Infantaria que desde o ano de 1762 anda por fora, e para Castelo Branco o de cavalaria, que também é seu; porque como a Comarca é fértil, havendo consumidores de frutos, e mais misteres, cresce o dinheiro, e por consequência crescem também os braços para as artes e para a agricultura. […] (2)

   O superintendente Geral das Fábricas de lanifícios das três Comarcas dá uma ideia do princípio do estabelecimento da fábrica da Covilhã; da sua utilidade, a qual cresceria se concorressem mestres com luzes para algumas classes do fabrico de que não há perfeito e total conhecimento; e dos privilégios concedidos àquelas manufacturas, para concluir que estas devem ser isentas da imposição dos 3%. E repetindo-se Ordem ao mesmo Ministro em seis de Março do ano próximo passado para adicionar a sua informa­ção com mapa de todas as Fábricas, indicando os operários de cada uma com o seu respectivo trabalho, que râmulas, prensas, ou máquinas tem qual­quer delas; e em que ramos se devem introduzir oficiais estrangeiros que faltam na Nação, com tudo o mais que puder contribuir para o melhora­meruto das mesmas Fábricas: ele, em outro ofício diz não ser praticável o adiantamento das Fábrícas de Lanifícios, uma vez que não se convoquem mestres estrangeiros da melhor escolha, principalmentc para a lavagem da lã fina; para pisões; e para tendas. em cuja classe se compreendem diversos trabalhos; e bem assim mestres da ímportantíssima oficina da tinturaria: Que não se traduzem as artes de melhor aceitação, como a de Mr. Poerner: E que não se introduzem engenhos para facilitar a cardação e fiação pou­pando-se braços, que são precisos na lavoura. E sem remeter o mapa da Real Fabriica, cuja factura diz ficar a cargo dos seus Administradores, nem o das mais Fábricas das Comarcas anexas à sua jurisdição, que diz em 6 de Março de 1802 estava fazendo. […] (2)

  
D. João, futuro D. João VI


DOCUMENTOS DO INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1802

 (Sobre a Covilhã)

Nº 1

Senhor

   Em execução da Régia ordem datada de 23 de Janeiro do presente ano, expedida pela Real Junta do Comércio, que determina informe do actual Estado das fábricas de Lanifícios, de que sou Superintendente nas três comarcas de Castelo Branco, Trancoso, e Guarda, declarando a sua decadência, ou progresso, e quais são as causas físicas, ou morais que directa ou indirectamente têm influído ou poderão influir no seu progresso, cujos obstáculos se devem remover, respondo.
   Sempre os Senhores Reis deste Reino têm providenciado a bem do aumento de tais fábricas. O Senhor Rei D. Sancho primeiro favoreceu as estabelecídas nesta Vila. O Senhor Rei D. Sebastião lhe deu o Regimento publicado no ano de 1573, o qual foi reformado em parte, e ampliado, pelo Senhor Rei D. Pedro segundo, em 7 de Janeiro de 1690. Nesta Vila, e em outras da comarca da Guarda, contando de tempo muito antigo sempre existiram fábricas de lanifícios, mas de pouca consideração pois as facturas eram ordinárias, e sem perfeição, sem embargo das determínações dos sobreditos Regimentos que não tinham a necessária execução; e nas tintura­rias só se faziam composições de tintas ordinárías, o que assim continuou até ao tempo em que o Senhor Rei D. José, de gloriosa memória, pelo Alvará de 11 de Agosto de 1759, criou um Superintendente, e Julz Conservador, para nas ditas três Comarcas fazer executar os Regimentos e mais providências dadas a bem destas fábricas. Mandou edificar nesta Vila uma fábrica para escola geral a qual presentemente está valendo mais de oitocentos mil cruzados, e a fez prover com mestres estrangeiros de todas as classes de fabrico. Este plano produziu os fins desejados, pois na Real Fábrica foram admitidos aprendises em todas as classes de facturas e de composições, nas tinturarias, os quais instruídos com necessário conhecimento produsiram facturas admiráveis, que nunca até àquele tempo tinharn sido praticáveis pelos nacionais. O que sendo visto, muitos sujeitos tomaram o trato de fabricantes, e conhecendo os negociantes que os tecidos tinham aceitação, entraram na negociação da sua compra, o que tem feito crescer o fabrico, e levantar muitas fábricas de considerável valor, principalmente nesta Vila; de sorte, que havendo nas três Comarcas desta Superintendência duzentos ou trezentos teares, presentemente existem mais de dois mil, em cujo labo­ratório, e das oficinas respectivas, se ocupam muitos milhares de pessoas de ambos os sexos, e de toda a idade, dos quais muitos não poderiam adqui­rir o necessário para a conservação da vida por outro modo e também se tem edificado importantes tinturarias, nas quais se fazem todas as compo­sições de cores ordinárias, e superiores: a composição destas totalmente se ignorava, e actualmente se faz com muita aceitação.
   As fazendas que estão em uso de se fabricarem são baetas baixas, bae­tões, e panos 14.nos, 18.nos, 22.nos, 28.nos, cilícias, droguetes, casimiras e sera­finas as quais os negociantes compram, e as passam ao comércio nesta província, na de Traz os Montes, na do Minho, da qual passam muita porção para Galiza, e a maior parte para a América.
   Todas estas fazendas e todas as mais que se fabricam nas fábricas do Reino, são izentas de todos os direitos por decreto do Senhor Rei D. José, o qual foi ampliado por outro de 19 de Junho de 1784. Emquanto estas fazendas de lanifícios forem favorecidas com a total isenção de direitos como lhe foi concedido pelos ditos decretos, as fábricas existirão pelo mesmo modo, e as fazendas concorrerão no mercado por menor preço, como as estrangeiras, pois estas podem com os direitos que pagam. e mais des­pezas de transportes, por efeito da sua superior qualidade e por ser a sua mão de obra mais barata, e usarem de engenhos para o fabrico, dos quais não há uso, nem conhecimento, e as deste Reino são todas fabricadas por força de braço, pelo que em sendo nestas imposto qualquer direito cresce o seu primeiro custo, e necessariamente concorrem no comércio, com igual preço das extrangeiras, que preferem por maior perfeição, e ficam total­mente abandonadas as nacionais, no que muito interessam os estrangeiros, para verem extintas as fábricas de lanifícios, estabelecidas neste Reino, com tanto custo, e protecção dos seus Augustos Monarcas, e depois poderem vender, e reputar, as suas fazendas, segundo o seu arbítrio.
   A imposição dos 3 %, em todas as facturas das fábricas deste Reino, da qual foi proximamente isenta a fábrica, ou factura, do pano do linho, parece que pelas máximas, e maiores razões deve ser concedida a estas fábricas de lanifício, pois elas só na constância da total isenção de todos os direitos declarados, e podendo os negociantes meter francamence tais fazendas na América como está concedido, não existindo nela casas estrangeiras, de negócio de tal género podem elas ter infalível conservação, e aumento, no que tanto interessa o Estado. Elas podem ter muito melhoramento na perfeição das suas facturas para igualarem as estrangeiras, concorrendo mestres com luzes, e ccnhecimentos próprios, para algumas classes de fabrico de que não há perfeito e total conhecimento, e será esta providência igual à que deu o Senhor Rei D. José. As utilidades desta fábrica são bem cons­tantes. As suas produções em grande parte constituem a independência de um género de primeira necessidade. As estabelecidas no distrito desta Superintendência e em algumas comarcas próximas, fabricam todas as lãs que se criam nesta província, e muita da do Alentejo,e alguma que vem do Reino de Castela. Os creadores com o custeio da venda da lã, conservam e aumentam os seus rebanhos, de que se segue a maior abundância de gado. A agricultura se aumenta, pois a terra na maior parte desta província, não produz sem as malhadas ao gado de lã. As ervagens dos lavradores se vendem pelo seu próprio valor, e as dos concelhos, de cujos rendimentos a terça parte pertence à Real Fazenda. Conserva-se a siza dos panos, e se aumenta a da venda das lãs, como também a décima do rendimento dos prédios rústicos, por efeito da sua maior produção.
   Estas fábricas não tiram a gente necessária para a agricultura, pois é constante o aumento desta, nesta província, depois do seu maior estabelecimento, e também se vê o melhor estado dos lavradores pela maior produção e reputação dos seus frutos.
   À vista do exposto, V. R. A. determinará o que for do seu Real Serviço.

   Covilhã 12 de Fevereiro de 1802.

   O Dezembargador Superintendente das Fábricas
   da Covilhã e Comarcas anexas
         João Roiz Botelho

   À margem: Repita-se ordem ao Dezembargador Superintendente para adicionar a sua informação com mapa de todas as fábri­cas indicando os operários de cada uma com o seu res­pectivo trabalho: que râmulas, prensas ou máquinas tem qualquer delas; em que ramos se devem introduzir oficiais extrangeiros que faltam na Nação; com tudo o mais que puder contribuir para o melhoramento das mesmas fábricas.

   Abaixo: Descarregada a fls 2. v. e se lhe expediu nova ordem em 6 de Março de 1802 registada a fls 4.

Nº 11

(COVILHÃ)
Senhor
 
Recebi a ordem datada de 6 de Março do presente ano que determina adicione a informação que remeti em execução da ordem de 23 de Janeiro próximo passado, com o mapa de todas as fábricas, indicando os operárias de cada uma, com o seu respectivo trabalho, que râmulas, prensas e máqui­nas tem qualquer delas, em que ramos se devem introduzir oficiais estran­geiros que faltam na Nação com tudo o mais que puder contríbuir para melhoramento das mesmas fábricas.
   Remeto o mapa junto das estabelecidas nesta Vila. e seu termo, com a declaração das suas respectivas oficinas, e dos operários que nas mesmas se ocupam e com brevidade remeterei outro de todas as mais que existem no distrito das três comarcas desta superintendência o qual estou fazendo, porém a distância dos lugares em que elas se acham impede a brevidade da dita remessa. Já declarei que até ao tempo em que El-Rei D. José de gloriosa memória mandou edificar nesta Vila a grande e importante fábrica para escola geral, só se fabricavam neste Reino tecidos ordínários e provida a dita fábrica com mestres estrangeiros estes estabeleceram a factura finas, e superfinas, que os nacionais nunca tinham visto fabricar, e aprefeiçoaram a factura das fazendas ordinárias, de que já havia uso, e facilitaram o conhecimento da composição das tintas finas da qual havia total ignorância. Se este estabelecimento continuasse por mais tempo, e após destes mestres viessem outros, que adiantassem os necessários conhecimentos, e tivesse havído a tradução das Artes, e dos Livros de milhor aceitação que tratam o modo de fabricar, e tingir a lã, e os seus tecidos, os nacionais teriam conseguido a necessária inteligência para prosperarem tais fábricas que constituem a inde­pendência de um género de primeira necessidade. Mas o contrário aconteceu, aqueles mestres acabaram, pois uns se ausentaram e outros se finaram, e a fábrica Real passou ao poder dos negociantes que arremataram o provímento do Fardamento; estes sempre têm procurado, e procuram o adiantamento e perfeição dos tecidos em todas as suas respectivas classes; porém é impossível este aumento e perfeição sem convocação de outros mestres inteligentes, e sem a tradução de artes, e mais livros próprios que facilitem os necessários conhecimentos. Presentemente não há mais do que uma cega rotina da prá­tica que aqueles primeiros mestres deixaram, não tendo eles naquele tempo merecido o melhor crédito de tal fabrico. Não se podem emendar muitos defeitos que se conhecem nas fazendas finas que se fabricam, por falta de conhecimento, e também por este motivo se não podem fabricar outras iguais às que de novo vêm dos Reinos estrangeiros. Pelo que só a V. A. R. pertence a felicitar (sic = facilitar?) os seus vassalos, mandando novamente convocar mestres estrangeiros, da melhor escolha principalmente um mestre para a lavagem da lã fina, outro para pízões, dois para tenda, pois nesta classe se compreendem diversos trabalhos, um é o das tesouras, outro o das perchas, outro o das prensas, notando que a prensa dos panos, silezias, droguetes e outras fazendas é privativa de um mestre, e a prensa doo decrantes (sic), serafinas, saetas, e outras fazendas lustrosas, é privativo de outro; devem vir mestres para a importantíssima oficina da tinturaria.
   Com este socorro e o da tradução das Artes de melhor aceitação, lembrando a de M. Poorned, e de outros escritores de tal matéria, as fábricas terão o desejado adiantamento. Não esquecendo mandar vir engenhos, que há para cardar, e fiar pois qualquer destes ramos é importantíssimo para ocupar muitos braços precisos para outros serviços e minorar a importância do preço dos tecidos e assim melhor poderem concorrer no comércio. Á vista do exposto V. R. A. determinará o que for de seu Real Serviço.
   Covilhã 30 de Março de 1802.


Do Dezembargador Superintendente das Fábricas
da Covilhã e Comarcas anexas

                                                          João Roiz Botelho  (2)

Nota dos editores – 1) Em 1802 Dona Maria I é rainha de Portugal, mas devido ao seu estado de saúde D. João, futuro D. João VI, é o Príncipe Regente.
2) Na obra: “História dos Lanifícios” seguem quadros (mapas) que apresentaremos neste blogue no tema: “Covilhã – Contributos para a sua História dos Lanifícios”.

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