Continuamos a
publicar reflexões não revistas de Luiz Fernando Carvalho Dias e respectivos documentos sobre a
História da Guarda que foi cabeça de comarca da Covilhã.
Hoje relata-se a
sujeição ou entrega da Guarda a Filipe II de Espanha (I de Portugal) em 1 de
Setembro de 1580 e ainda outros documentos da mesma época.
Procuremos
contextualizar:
Em 1578 o rei D.
Sebastião morre sem descendentes em Alcácer- Quibir. Sucede-lhe seu tio-avô, o
velho Cardeal D. Henrique, que não conseguiu decidir quem lhe sucederia no
trono. Quando morre em 1580, instala-se uma crise dinástica em Portugal e é
preciso escolher um rei. Os pretendentes, netos do rei D. Manuel, eram vários,
mas a batalha mais feroz vai ser travada entre Filipe II de Espanha (filho de
Dona Isabel, filha de D. Manuel, e de Carlos V, I de Espanha) e D. António,
prior do Crato (filho ilegítimo de D. Luís, senhor da Covilhã, filho de D.
Manuel). Em 25 de Agosto de 1580, em Alcântara (Lisboa) ocorre um recontro
decisivo e vitorioso para Filipe II. Entretanto entra em Portugal e em 17 de
Abril de 1581 as Cortes de Tomar vão declará-lo rei de Portugal e estabelecer
que o reino português passa a formar com Espanha uma monarquia dualista, embora
Filipe II, I de Portugal, tenha feito juramento de manter os direitos, costumes,
privilégios e liberdades dos portugueses. Não cabe aqui historiar o que
aconteceu nas décadas seguintes, mas recordemos que o domínio espanhol durou
sessenta anos.
A Guarda entregou-se a Filipe II, na pessoa de D. João
Pacheco, filho do Marquês de Sarralvo, um nobre castelhano, em 1 de Setembro de
1580.
Representavam a cidade D. João de Vasconcelos e
Menezes, general da Comarca Francisco de Sousa de Menezes, alcaide-mor, o
licenciado Lázaro Lopes Pinto, juiz de fora, os vereadores Luís de Paiva,
António de Pina e Gaspar Teixeira, o procurador do concelho Luís Gomes de
Figueiredo e mesteres cujos nomes não estão indicados no auto. Cumpre notar
que além da falta de um dos mesteres, o auto não foi precedido das
solenidades devidas, designadamente da convocação por sineta. No fim vão as
assinaturas dos acima indicados e de outras pessoas, sendo de admitir que os
dois nomes dos mesteres estejam incluídos entre elas. Do clero não há
vestígios, embora fosse da praxe sempre acorrer a cerimónias ou actos
idênticos. Não é de estranhar: o bispo D. João de Portugal, andava a monte
depois da batalha de Alcântara e nunca foi perdoado; e o clero secular da
diocese da Guarda continuava em rebelião, conforme consta de vários documentos
conhecidos e o clero regular seguia-lhe os passos, sempre irreverente até 1640.
Das outras câmaras da comarca,
embora algumas tenham aderido abertamente ao invasor e outras se mostrassem
cautelosamente indecisas, como a da
Covilhã, uma houve que resistia abertamente: Castelo Branco, o que espero
tratar noutro lugar.
No entanto aqui a coisa não fora tão
fácil como à primeira vista parecia: a promessa de não devassar das pessoas
que tomaram voz pelo senhor Dom António, constante do treslado de 4 de Outubro,
autorizam a concluir pelo favor que também gozava o Prior do Crato, na Beira.
Noutra carta, também junta, de
19 de Novembro de 1580, Filipe II envia à cidade da Guarda, como Capitão
Geral dela, a Fernão Cabral, fidalgo da sua Casa e do seu Conselho. Se
este Fernão Cabral não era o Alcaide de Belmonte, que consta perecera em
Alcácer Quibir e andou casado com D. Lucrécia Cabral, (1) sua prima, filha do
grande Jorge Cabral, era decerto também descendente do ilustre Álvaro Gil
Cabral que, em 1385, defendeu o Castelo da Guarda dos exércitos castelhanos.
Deste modo sorria o demónio do meio-dia aos brios portugueses, como
aliás já fizera antes ao exibir também como seu secretário um Nuno Álvares
Pereira venera condigna aos que se lhe venderam e eram descendentes, no
sangue que não na fidelidade, daqueles que dois séculos antes resistiram ao
poder centralista de Castela. Acrescia ainda Filipe confiar a sua representação
em tão importante cerimónia a um fidalgo castelhano, o que soaria bem ao ânimo
português.
Reflexões
de Luiz Fernando Carvalho Dias
A cidade da Guarda Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias |
Filipe II, I de Portugal |
Seguem-se os documentos sobre o assunto:
A -
Ano de 1580, 1 de Setembro
Acta
da Câmara da Guarda entregando a cidade a Filipe II, na pessoa do fidalgo
castelhano, D. João Pacheco, filho do marquês de Sarralvo, General das
Fronteiras da Beira pelo Rei de Castela e seus procuradores.
Anno do nascimento de nosso senhor Jesu
Christo de mil e quinhentos e oitenta annos ao primeiro dia do mes de
Setembro do dito anno, na Camara da cidade da Guarda estando em ella o
senhor dom joão Pacheco, filho do senhor dom Rodrigo Pacheco, marquez de
Sarralvo, gera1 das fronteiras das comarcas da beira deste Reino de Portugal,
estando presentes o senhor dom João de vasconcellos e de meneses, geral da
comarca desta cidade e o Francisco de sousa de meneses allcaide mór desta
cidade, o Licenceado Lazaro Lopes Pinto Juiz de fora na dita cidade, Luis de
Paiva, Antonio de Pina, Gaspar Teixeira, vereadores, Luis Gomes de Figueiredo,
procurador, mesteres do povo, cidadãos os que todos foram presentes, digo, que
por o dito senhor dom João Pacheco foi dito como procurador bastante de sua
magestade per virtude de hua procuração do dito senhor que hapresentou
sobestabelecida pelo senhor dom Rodrigo marquez de SanRallvo, gerall das
fronteiras da Raia que adiante vai tresladada que elle sabendo como esta cidade
estava levantada per Sua magestada e lhe tinha dado vasalagem e obediencia
Reconhecendo o Catholico Rei e Soberano da dita cidade vinha tomar posse da
dita cidade e seu termo, a qual loguo per o dito juiz, vereadores, procurador e
mesteres do povo lhe foi dada como já estava a quall tomou pela maneira
seguinte e loguo pelo dito Juiz, vereadores, procurador procuradores dos
mesteres foi dito que por quanto elles em nomme de toda a cidade tem sabido que
ha magestade do catholico Rei dom felipe nosso senhor pertence per sentença
direitamente e sucessão propria da lei e tradisão dos Reínos e Senhorios da
coroa de portugall do dia que morreo o serenissimo Rei dom emrrique que deus
tem // em gloria como mais largamente se contem em hua sentença dos senhores
guovernadores que nesta camara e cartorio della está e querendo comprir com a
dita sentença e sua obrigação como leais vasalos diserão que Recebião por seu
Rei e Senhor naturall dos ditos Reinos de portugall ao dito catholico Rei dom
felipe E como a tall lhe dão obediencia e vaasalagem de ser ditos e leaes
vasallos e em demonstração do sobredito lhe entregarão ao dito senhor dom João
pacheco em nome de sua magestade pela procuração atras declarada a pose da dita
cidade e termo e de todas as outras cousas a ellas anexas conforme ao dito
poder que mostrou ter pera este efeito de sua magestade, prometendo de obedeser
he servir a sua magestade em tudo o que se mandar, e entenderem que convem a
seu Reall serviço e estado, como leaes e fieis subditos, vasallos e como tais
asi o jurarão aos santos avangelhos em que puserão suas mãos direitas sob pena
de encorrerem desta ora em diante em as penas que encorrem os vasallos que
falltão a obrigação que tem, a seu Rei e senhores naturais e em testemunho de
verdade emtregarão ao dito dom João as varas da camara a jurdição de juiz,
vereadores, procuradores e mais officiais da justiça que presentes estavão, s,
tabaliães, escrivão da camara, enqueredor e prometerão daqui em diante se
chamarem por sua magestade e comprirem o serviço de sua magestade e guardarem o
direito às partes e per vertude da dita procuração lhe mandou usassem dos ditos
officios como dantes pelo dito Senhor Rei dom felipe e os ouve per metidos de
pose delles e asi disse mais o dito senhor per vertude e bem da dita procuração
que elle concede à dita cidade os previlegios, liberdades, costumes que a dita
cidade tem E asi promete sua sua magestade hos aver por bem e asinarão
a) dom juº pacheco
dom J ºde vasconcellos de meneses
Daniel do Regª Frºde sousa de meneses
lazaro lopes pinto Luis de
paiva Aº de pina Gaspar 'I'eixª Thomé da costa luis gomes de figueiredo johã Roiz frº lopez
Diº de mello osouro Bernardo
Osouro de Mello Domingos
Carvalho pº botelho Rui de mello guºmo dazevedo Antº Carvalho Ruy de misquita Gaspar frº de fgº Sarayv
Simão de proeça nº Matella
gaspar da Fonseca Sebastião
Carvº Antão de paiva luis gIz Geronimo de...... luis dallmeida estº pestana
Diogo lobo Christovão de
Siqrª francº tavares dandrade Fernº Carvalho Manoel f. de Siqrª Fernã Cardoso Antº….
Gaspar botelho
***
B –
4 de Outubro de 1580
O
treslado de uma carta de Filipe II, dada em Badajoz a 26 de Setembro de 1580,
dirigida ao Corregedor de Torre de Moncorvo, passada a pedido de D. João de
Vasconcellos, Capitão-Mor da Guarda e também a pedido da Câmara da mesma
cidade, mandando que não devassasse nem procedesse por quaisquer culpas
passadas nos que não tomaram voz por ele Filipe, mas falaram a favor de D.
António, mas só daqueles que não estiverem então certos da obediência ou depois
de terem tomado voz por ele fizeram cousa contra o seu serviço e juramento dado.
A
4 de outubro tresldo
Treslado de hu a provisão de Sua
magestade concedida a esta cidade e comarca sobre não se devassar das pessoas
que tomarão voz pelo senhor dom anmtonio e outras cousas.
Eu ell Rey faço saber a vós Licenceado
diogo dias mango do meu dezembargo e meu corregedor da comarca da Torre de
moncorvo que a vendo Respeito a mo pedir dom João de Vasconcellos capitão mór
da cidade da Guarda e a camara da dita cidade ei por bem em vos mandar que não
devasseis nem procedais per quais quer cullpas pasadas nos casos de não tomarem
a voz por mim e falarem em favor de outras pessoas acerqua da sosesão do Reino
nem por qualquer outra cullpa que no dito caso posão ter, somente devasareis
daquelles que não estiverem certos em minha obediensia ou que depois de terem
tomado minha voz e me terem jurado fizerão al1gua cousa contra meu serviço ou
contra o juramento que tem feito o que assi ei por bem que comprais e Regimento
e que sem embargo que este não seja passado pella chamsellaria sem embarguo
ordenaçois em contrairo feito em badajos a vinte e seis de setembro de mil e
quinhentos e oitenta.
Rey fielmente pereira
digo eu nuno alvarez pereira secretário
de Sua magestade catholica o fiz escrever per seu mandado para o corregedor da
Torre de moncorvo proceder somente contra aquelles que não estiverem certos à
obediemcia de sua magestade ou que depois de o terem jurado fizerão allgüa
cousa contra seu servisso sem embarguo do Regimento que levou de que não pasa
pela chamselaria.
***
C - 28 de Outubro
Treslado da carta de Filipe II à cidade da Guarda, pela qual
manda substituir o Capitão mór D. João de Vasconcellos por Fernão Cabral,
fidalgo da sua Casa e do seu conselho
Treslado
da carta que sua magestade escreveo à camara desta cidade sobre vir por
fronteiro della o senhor fernão cabrall.
Juiz vereadores procurador fidallguos
cavaleiros escudeiros homens bons e povo da cidade da Guarda e das villas e
lugares de sua Comarca eu el Rei vos envio muito saudar por quanto Eu mando
ora vir a mim dom João de vasconcellos capitão mór della e mando Residir aí em
seu lugar fernão cabrall fidallguo de minha casa do meu conselho vos mando que
Resebais conhesais e ajais ao dito fernão cabrall por capitão mór e
obedeçais conforme o poder que de mim leva e de vós confio escrita em badajoz
a vinte oito de outubro de mil e quinhentos e oitenta. Rej. mandado de sua
magestade.
Nuno allvarez pereira.
Á camara da Guarda.
***
D -
19 de Novembro
Auto
de Representação na Câmara da didade da Guarda, da provisão de Filipe II, em
que nomeia Capitão Geral da Cidade e Comarca da Guarda o senhor Fernão Cabral,
fidalgo da sua Casa e do seu Conselho, e entrega consequente das chaves da dita
cidade.
Sobre
a presentação da provisão de fernão cabrall capitão gerall da cidade e comarqua
Anno do nacimento de nosso Senhor Jesu
Christo de bclxxx annos aos dezanove dias de novembro do dito anno na camara
da cidade da Guarda estando em em ella o Senhor fernão cabrall fidalguo da
casa dell Rei nosso senhor e do seu comcelho capitão gerall da cidade da Guarda
e sua comarqua e o Licenceado lazaro lopez pinto Juiz de fora luiz de paiva
gaspar botelho da fonseca vereadores e os mais cidadãos que foram e são os e
presemtes os dous procuradores dos mesteres perante todos forão lidas hua carta
de sua magestade e hua provisão de poderes pela (qual) avia por capitão gerall
da dita cidade e sua comarqua conforme aos ditos poderes que trazia e mandava
que fosse obedecido e aseitado comforme a sua provisao que tãobem apresentou e
por todos juntamente foi Respondido que elles só aceitavão e Recebiam por
capitão gerall da dita cidade e sua comarqua e o meterão em pose de fazer o que
per eles Senhor gerall lhe fosse mandado emcarregado comforme as provisoins de
Sua magestade e poderes que trazia os quais mandarão Registar neste livro e asi
a dita provisão he carta e asinarão daniel de Reguengos e loguo por a dita
camara lhe forão entreges as chaves das portas e fortaleza da cidade he loguo emtregou
fernão cabrall
Lazaro Lopez pinto Rui de
mello Gaspar botelho da fonseca
luis de paiva
Alvaro Glz da fonseca Mº
mêdoza luis saraiva fernão carvalho
Symão dalmeida pº
botelho Manoel homem botelho Rui de misquita
Luis dallmeida
Dioguo botelho Mel de
Siqra fracisco lopez bugalho
O Ldº Roiz (2)
Fonte - 1) Segundo "História Genealógica da Casa Real Portuguesa", de D. António Caetano de Sousa, Tomo XI, pag.504, "Fernão Cabral, filho de Nuno Fernandes Cabral, alcaide-mor de Belmonte casou com Dona Joana de Castro, filha de Jorge Cabral, seu tio, governador da Índia e de sua mulher Lucrécia Borges". 2) Este conjunto de documentos foi extraído de um livro
de registo de cartas e provisões régias e outros documentos da Câmara da Guarda
existente na Biblioteca Pública da mesma cidade.
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